quarta-feira, maio 02, 2007

Passeios: Largura Livre

(Colombus Street, San Francisco, 1999, foto: PHG)


No DL 123/97 especificava-se a largura mínima de passeios (2,25m). O DL 163/06 refere apenas uma largura livre (1,50m). Atendendo à sinalética e mobiliário urbano que é costume instalar nos passeios, muitas vezes de forma desregrada, qual é a largura recomendável para os passeios em espaços públicos e privados de uso colectivo?


O DL 123/97 especificava no seu Capítulo I, Secção 1, as normas a cumprir nos “passeios e vias de acesso”.

Nas normas desse decreto eram definidas duas larguras: a largura mínima do passeio propriamente dito (2,25m), e “o espaço mínimo entre os postes de suporte dos sistemas de sinalização vertical”, medido “no sentido da largura do passeio”, que outro tipo de mobiliário urbano também não podia condicionar (1,20m).

Nas normas do DL 163/06 podemos registar 3 mudanças.


1. Exige-se o essencial

Primeiro, especifica-se apenas a largura livre do percurso pedonal. Nada se define em relação à largura do passeio no seu todo.

Os passeios já podem, assim, ter uma largura inferior a 2,25m, desde que em nenhum ponto se comprometa, ou pela estreiteza do passeio propriamente dito, ou pela colocação de mobiliário urbano, a largura livre do percurso pedonal acessível.

Esse percurso pedonal acessível é um “canal de circulação contínuo e desimpedido” (cfr. 4.3.1), que cumpre, em todo o seu desenvolvimento, normas relativas à sua largura livre, inclinação, ressaltos, etc.

No fundo, as novas normas de acessibilidade limitam-se (e bem) a exigir aquilo que diz directa e especificamente respeito à acessibilidade.


2. Um Passeio vs. Uma Rede

Em segundo lugar, no DL 163/06 as exigências são expressas em relação a uma “rede de percursos pedonais acessíveis”, enquanto o DL 123/97 se limitava aos “passeios e vias de acesso”.

Esta mudança é importante por duas razões.

Por um lado, porque agora as normas do DL 163/06 se aplicam a todo o tipo de percursos pedonais, sejam estes classificáveis, ou não, como passeios e vias de acesso.

Por outro lado, porque o DL 163/06 nos leva a ter em conta esse percurso pedonal não como um elemento isolado mas como parte de uma rede de percursos pedonais, uma rede que deve abranger toda a área urbanizada, ligando todos os pontos relevantes da sua estrutura activa (cfr. 1.1.1) e estar articulada com as actividades e funções urbanas realizadas tanto no solo público como no solo privado (cfr. 1.1.2).

Isto é importante porque, ao contrário do decreto anterior, o DL 163/06 dá indicações concretas sobre as regras a seguir na eventualidade de não ser possível assegurar o cumprimento das exigências em todos os percursos pedonais.

É no quadro desta rede, e para assegurar os seus fins, que deve ser entendido o ponto 1.1.5., que refere que “quando não seja possível cumprir o disposto (…) em todos os percursos pedonais, deve existir pelo menos um percurso acessível que o satisfaça”.

Por outras palavras, se num passeio não for possível (por razões devidamente fundamentadas) assegurar a largura livre exigida, a rede de percursos pedonais existente deverá proporcionar uma alternativa acessível a esse passeio (por ex., no passeio oposto).


3. Larguras inferiores

Por último, assinale-se que enquanto nas normas do DL 123/97 a largura livre a respeitar nos passeios e vias de acesso era sempre a mesma em todos os casos (1,20m), o DL 163/06 admite medidas diferentes:

Assim, a largura livre mínima será de:

  • 1,50m nos passeios adjacentes a vias principais e vias distribuidoras (cfr. 1.2.1);
  • 0,90m nos pequenos acessos pedonais no interior de áreas plantadas, com comprimento máximo de 7m (cfr. 1.2.2);
  • 1,20m nos restantes percursos pedonais (cfr. 4.3.1);
  • 0,80m ou 0,90m, em troços de percurso não superiores, respectivamente, a 0,60m e 1,50m (cfr. 4.3.3).


Obstruções

No ponto 4.3.2 consideram-se obstruções ao percurso pedonal “o mobiliário urbano, as árvores, as placas de sinalização, as bocas-de-incêndio, as caleiras sobrelevadas, as caixas de electricidade, as papeleiras ou outros elementos que bloqueiem ou prejudiquem a progressão das pessoas.

Nos termos do DL 163/06, por se encontrarem no percurso ou em áreas adjacentes ao percurso, essas obstruções não devem prejudicar a largura livre do percurso, medida ao nível do pavimento (cfr. 4.3.1), nem as restantes disposições aplicáveis (zona de manobra, alcance, altura livre, objectos salientes, etc.).

E em relação à disposição desses elementos?

Como se referiu acima, o percurso acessível é um “canal”, que não tem de ter, necessariamente, uma forma fixa e definida – tem é de existir enquanto área mínima desobstruída.

Assim, e pela mesma razão pela qual não define a largura mínima do passeio propriamente dito, o DL 163/06 nada especifica em relação à disposição dos elementos.


Disposição do Mobiliário Urbano

De facto, é frequente encontrarmos passeios onde o mobiliário urbano é disposto de forma aparentemente desregrada.

Naturalmente que, embora o DL 163/06 não o refira, para conforto de todos os utilizadores do passeio se deve procurar assegurar a regularidade do traçado do referido percurso, i.e., a disposição dos diversos elementos não deve transformar o passeio numa prova de slalom na neve…

A largura do passeio, só por si, não nos dá garantias. Um passeio largo não será, necessariamente, um passeio mais ordenado.

Seis notas, a título de recomendação:

1. Conjugação
Mais do que recomendar uma largura concreta, recomenda-se que a largura do passeio propriamente dito permita conjugar a largura livre exigível, o tráfego de peões previsível (que pode ser superior), e a instalação dos elementos previsíveis (no mínimo, os respeitantes às infra-estruturas urbanas – caixas de electricidade, sinalética, etc.).

2. Hierarquia das vias
Os conceitos de via principal e de via distribuidora, referidos no ponto 1.2.1, dizem respeito ao tráfego rodoviário. Os passeios destas vias não terão, necessariamente, maior intensidade de tráfego pedonal do que os passeios de outras vias de hierarquia “rodoviária” mais baixa. Para adaptação de vias existentes, vale a pena fazer contagens e observações nas horas de uso mais intenso (o valor médio diário é, para este efeito, irrelevante).

3. Alinhamento
Um alinhamento que pareça bem conseguido numa planta desenhada não será, necessariamente, o mais perceptível no terreno. Nesse sentido, o alinhamento dos elementos que fiquem adjacentes ao percurso acessível (ao canal de circulação, portanto) não deve ser feito pelo eixo de cada elemento mas pelo limite que fica adjacente ao percurso.

4. Face Livre
Quando possível, deve procurar fazer-se coincidir um dos limites do percurso acessível com um dos limites do passeio, de preferência com o limite mais regular. Afastar os elementos da fachada, alinhando-os no lado oposto do passeio, pode resultar bastante bem (ver foto).

5. Alargamentos
Nada obriga o passeio propriamente dito a ter sempre a mesma largura. O alargamento do passeio junto a passadeiras, por exemplo, tem efeitos benéficos documentados na segurança rodoviária, ao propiciar a redução de velocidade dos veículos e aumentar a visibilidade dos peões (que deixam de estar encobertos por veículos estacionados).

6. Excepções
Onde não for comprovadamente possível assegurar a largura livre mínima estabelecida pelo DL 163/06, deve ainda assim procurar assegurar-se uma largura livre de 0,75m ou mais, de forma a não impedir a passagem de cadeiras de rodas. Em ruas muito estreitas e com tráfego lento vale a pena equacionar a criação de soluções de tráfego misto, i.e., de vias em que não existe lancil a dividir peões de automóveis, e a via tanto pode ser usada por peões como por automóveis (que têm o acesso e velocidade condicionados). Esta solução já é usada em zonas de várias cidades europeias com centro histórico.


Bom senso e responsabilidade partilhada

É frequente haver mais de uma entidade a intervir nos passeios, e essa multiplicidade de intervenientes levanta óbvias dificuldades.

É comum dizer-se, neste ponto, que o cumprimento das normas de acessibilidade exige um esforço de coordenação.

Essa necessidade de coordenação existe, de facto. Mas deve ser tido cuidado para que o assumir da coordenação por uma entidade não “desresponsabilize” os restantes intervenientes.

Mesmo que as competências de fiscalização possam caber a um número mais restrito de entidades, a verdade é que todos os intervenientes estão obrigados, por igual, ao cumprimento das normas, e cada um deve tomar, no quadro da sua intervenção, as devidas providências nesse sentido.

O conhecimento das normas de acessibilidade a cumprir nos passeios não deve, por isso, estar “limitado” a uma entidade: pelo contrário, tem de ser assumido e partilhado por todos.

As autarquias podem – e devem – estabelecer normas de ocupação da via pública.


PHG 2MAI2007

3 comentários:

Olivença disse...

Muitos parabéns pela informação tão detalhada.
Em relação à altura há alguma regulamentação?

Olivença disse...

Muitos parabéns pela informação tão detalhada.
Em relação à altura há alguma regulamentação?

19 Março, 2014 11:32

Olivença disse...
Este comentário foi removido pelo autor.