sexta-feira, maio 04, 2007

Aplicação: PIP aprovado dispensa cumprimento do DL 163?

Estou a elaborar o projecto de um edifício de habitação e comércio. Durante o ano passado foi aprovado pela câmara um pedido de informação prévia, com base num projecto de arquitectura apresentado à escala 1/200. Nesse projecto de arquitectura não estavam ainda contempladas as normas do DL 163/06. Quando, agora, apresentar o pedido de licenciamento, o projecto de arquitectura tem de cumprir as normas do DL 163/06?


Depende das especificações contidas no pedido de informação prévia (PIP) que foi aprovado.


O que consta da legislação

Vejamos, primeiro, alguns elementos relevantes para análise desta questão:


Refere o DL 555/99, no seu Artigo 14.º (Pedido de Informação Prévia), n.º 1:

“Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística e respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a [infra-estruturas, servidões, restrições, índices, cérceas, afastamentos] e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.”

Ao distinguir o direito à informação urbanística do pedido de informação prévia, o Tribunal Central Administrativo do Norte referiu sobre o segundo que “a pronúncia administrativa sobre este pedido tem a natureza de acto prévio administrativo, pois define e regula de modo final e vinculativo a posição da Administração perante uma concreta pretensão urbanística”.

Refere ainda o DL 555/99, no seu Artigo 17.º (Efeitos), n.º 1:

“O conteúdo da informação prévia aprovada vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou autorização da operação urbanística a que respeita, desde que tal pedido seja apresentado no prazo de um ano a contar da data da notificação da mesma ao requerente”.

Relativamente à apresentação de PIP para obras de edificação, estabelece a Portaria 1110/2001 no seu Artigo 3.º (Informação Prévia sobre Obras de Edificação), n.º 1:

“O pedido de informação prévia referente à execução de obras de edificação em área abrangida por PMOT deve ser instruído com os seguintes elementos:
a) Memória descritiva esclarecendo devidamente a pretensão;
(…)
e) Quando o pedido diga respeito a novas edificações ou a obras que impliquem aumento da área construída, devem, sempre que possível, constar do pedido de informação prévia os seguintes elementos:
1) Planta de implantação à escala de 1:500 ou superior, definindo o alinhamento e perímetro das edificações;
2) Cérceas e o número de pisos acima e abaixo da cota de soleira;
3) Área total da construção e a volumetria das edificações;
4) Identificação das construções anexas;
5) Identificação do uso a que se destinam as edificações”.


Sobre esta matéria, a indicação mais aproximada que retiramos do DL 163/06 encontra-se no seu Artigo 11.º (Obras em Execução ou em Processo de Licenciamento ou Autorização):

“O presente decreto-lei não se aplica: (…) b) Aos projectos de novas construções cujo processo de aprovação, licenciamento ou autorização esteja em curso à data da sua entrada em vigor”.

E porque há no DL 163/06 uma referência ao “processo de aprovação”, não esqueçamos, por fim, a definição de procedimento administrativo que consta do Código do Procedimento Administrativo (CPA):

Art. 1.º (Definição), n.º 1: “Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade de Administração Pública ou à sua execução”.


Sobre o “processo de aprovação”

Vamos por partes.

Atendendo directa e especificamente aos termos constantes do DL 163/06, a primeira questão a esclarecer é a seguinte: a apresentação de um PIP na câmara (ou a sua aprovação pela câmara) assinala o início do “processo de aprovação, licença ou autorização” de um projecto?

Por outras palavras: se um PIP para determinada obra de edificação tiver sido apresentado ou aprovado na câmara antes da entrada em vigor do DL 163/06, considera-se que o processo de aprovação dessa edificação já estava “em curso” à data da entrada em vigor desse decreto?

Aqui, a resposta é “não”.

Embora a informação prévia constitua um acto administrativo, trata-se de um acto que não tem carácter permissivo e que integra um procedimento administrativo distinto do procedimento tendente ao licenciamento urbanístico.

Refere, a este respeito, a Drª. Fernanda Paula Oliveira (Revista do CEDOUA, 1999):

[A] informação prévia fornecida pela câmara municipal (…) não é uma mera declaração de natureza informativa mas um verdadeiro acto administrativo que se pronuncia (de uma forma prévia ou antecipada) sobre alguns aspectos da operação urbanística em causa (…) embora não seja com base nele que o interessado pode levar a cabo essa mesma operação urbanística. Trata-se, por isso, de um acto administrativo prévio, de natureza verificativa e sem carácter permissivo; para poder realizar a operação urbanística, o particular terá que dar início a um outro procedimento administrativo, tendente ao licenciamento urbanístico, este sim, o acto que, pronunciando-se de forma final ou definitiva sobre a operação urbanística, tem natureza permissiva.” [negrito nosso]

Assim sendo, a existência de um PIP na câmara (apresentado e ou aprovado) à data da entrada em vigor do DL 163/06 não permite concluir que naquela data já estivesse “em curso” o “processo de aprovação” de determinada obra de edificação, nem dispensa, só por si, um futuro pedido de licenciamento de cumprir as normas do DL 163/06.

Por isso, por princípio o projecto de arquitectura do pedido de licenciamento terá de cumprir as normas do DL 163/06 aplicáveis.



Sobre os direitos constituídos

Pode acontecer que constassem do projecto de arquitectura entregue com o PIP especificações que directamente não cumprem as normas do DL 163/06, ou que indirectamente inviabilizam esse cumprimento.

Nesse caso, prevalecem as especificações aprovadas com o PIP.

Porquê?

O pedido de informação prévia é vinculativo nos precisos termos em que é decidido, mesmo quando, posteriormente à data dessa decisão, entrem em vigor novas normas urbanísticas.

Isto decorre do regime dos PIP do DL 555/99 (cfr. Subsecção II, Art. 14.º e seguintes).

Assim, quando o requerente puder invocar um PIP em vigor, decidido antes da entrada em vigor do DL 163/06, não é exigível o cumprimento das normas deste decreto relativamente às especificações contidas nos elementos entregues no âmbito da instrução do PIP e objecto da decisão final.

E não é necessária essa observância, não apenas nos aspectos contemplados na Portaria 1110/2001 (alinhamento e perímetro, cérceas, etc.) como elementos obrigatórios da instrução de um PIP, mas em todos os aspectos sobre que tenha recaído a decisão do mesmo, já que esta é vinculativa em tudo a que é favorável ou desfavorável, independentemente do que seria o seu conteúdo legalmente obrigatório (se bem que no caso concreto, atentos os valores em presença, seria preferível dar satisfação ao novo diploma naquilo que seja possível sem grande prejuízo para o projecto).

O projecto de arquitectura do pedido de licenciamento terá de cumprir todas as normas do DL 163/06 relativamente às quais não se possa dizer que a decisão do PIP já decidiu de outra forma (por ex., interruptores, tipos de piso, torneiras, ou mesmo compartimentação, escadas, etc.).

Atenção: os direitos constituídos com a aprovação do PIP têm os seus efeitos temporalmente limitados a um ano após a notificação, e apenas quando a decisão seja válida.

Em relação à validade da decisão: se a decisão do PIP foi favorável a um aspecto que configure incumprimento das normas em vigor à data da sua prática (por ex., de alguma norma do DL 123/97 que fosse aplicável), tal decisão é inválida, nessa parte, e tal ilegalidade pode ser invocada para efeitos de revogação parcial da decisão do PIP, pelo que o projecto de arquitectura do pedido de licenciamento deve rectificar essa situação.


Situações de incumprimento do DL 163/06

Nos termos do regime de excepções previsto no Art. 10.º do DL 163/06, a abertura de excepções ao cumprimento integral das normas deve ser feita norma a norma e de forma fundamentada.

O não cumprimento de normas do DL 163/06 com base na existência de um PIP em vigor tem de ser efectuado no quadro deste regime.

Pode dizer-se que nos casos em que o incumprimento se justifique de forma directa (ou seja, um aspecto aprovado no PIP contraria de forma evidente determinada norma) a fundamentação é igualmente directa.

Todavia, nos casos em que o incumprimento se justifique de forma indirecta (ou seja, um aspecto aprovado no PIP inviabiliza, de forma incontornável, o cumprimento de determinada norma), terá de haver lugar a uma demonstração, por parte do requerente, desse facto.


PHG 7MAI2007

Agradecimentos: RR



1 comentário:

Pedro Andrade de Sousa disse...

Vim aqui parar por mero acaso mas não queria deixar de comentar esta apreciação magistralmente estruturada.
Parabéns e obrigado.