sábado, maio 10, 2008

Habitação: como determinar lotação?


O DL 163/2006 refere lotação superior a 5 pessoas. A que tipologia corresponde essa lotação? Pode usar-se o RCCTE?


Para aplicação do DL 163/2006 deve entender-se por lotação superior a 5 pessoas um fogo com tipologia igual ou superior a T3.

Esta questão já foi tratada neste texto, mas vejamos novamente porquê.

As normas do DL 163/06 referem, no seu ponto 3.3.7, alínea 1), “habitações com lotação superior a 5 pessoas”, nada indicando, de facto, sobre a correspondente tipologia.


O que diz o RGEU

A tipologia dos fogos de habitação, como é sabido, vem estabelecida no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

O RGEU contém no seu artigo 66.º, n.º 1, um quadro que define o número de compartimentos e as respectivas áreas mínimas para cada tipologia. Nesse quadro, é feita referência a diferentes tipos de quarto: de casal, duplo e simples.

Como passar daí para a lotação? O termo “lotação” vem definido no Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, da Michaelis, como o “conjunto de lugares que as pessoas podem ocupar em determinado recinto”. Por outras palavras: quantos lugares?

Assim, e considerando que os quartos de casal e os quartos duplos têm uma lotação de duas pessoas cada, e os quartos simples de uma pessoa apenas, podemos concluir que:

…uma habitação T2 (1 quarto casal + 1 quarto duplo) terá uma lotação de 4 pessoas;

…uma habitação T3 (1 quarto casal + 2 quartos duplos) terá uma lotação de 6 pessoas.

Nestes termos, por “habitações com lotação superior a 5 pessoas” deve entender-se habitações tipo T3 (inclusive) ou maior.


O que diz o RCCTE

O Decreto-Lei n.º 80/2006, de 4 de Abril, veio estabelecer o Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE).

No Anexo VI, deste Regulamento, onde se define o “Método de cálculo das necessidades de energia para preparação de água quente sanitária”, encontra-se o quadro VI.1, que convenciona o número de ocupantes para diferentes tipologias.

Nos termos desse quadro, só os fogos com tipologia igual ou superior a T5 teriam a “lotação superior a 5 pessoas” referida pelo DL 163/2006.

Todavia, com uma leitura detalhada do regulamento verificamos que o quadro VI.1 do RCCTE não serve de referência para aplicação do DL 163/2006.

Desde logo, deve notar-se que o quadro VI.1 não tem por título “lotação” mas sim “número convencional de ocupantes em função da tipologia”, o que em rigor é uma coisa bem diferente.

Em nenhum ponto do RCCTE, aliás, se refere a lotação e muito menos se indica que esse quadro a define para os fogos de habitação.

O quadro tem, pelo contrário, uma utilidade bem mais restrita.


Aplicação limitada

Basta repetir o título do anexo em que ele está inserido para se ter de concluir que os dados que constam do quadro serão aplicados no “cálculo das necessidades de energia para preparação de água quente sanitária”.

Mais nítida resulta essa conclusão se não nos ficarmos pelo título. Repare-se na redacção do ponto 2.1 do Anexo VI, em que o quadro é inserido:

“Nos edifícios residenciais o consumo médio diário de referência (…) é dado pela expressão: Maqs = 40 [litros] x número de ocupantes, sendo o número convencional de habitantes dado pela expressão de cada fracção autónoma definido no quadro VI.1.”

Como é evidente, não pretendia o legislador determinar com este quadro a lotação dos fogos de habitação, mas apenas convencionar a determinação de uma variável necessária para a realização do cálculo das “necessidades de energia para preparação de água quente sanitária”.


Conclusão

Se das tipologias do RGEU se pode inferir a lotação (i.e., quartos de casal e duplo têm lugar para duas pessoas, quartos individuais para uma), o mesmo não se passa com o RCCTE, que mais não faz do que convencionar o número de ocupantes a considerar nos seus próprios cálculos.

O quadro VI.1 do RCCTE serve apenas para aplicação nos cálculos do RCCTE. Nada há que nos permita usá-lo como ferramenta de interpretação do DL 163/2006.

Assim sendo, onde o DL 163/2006 refere “habitações com lotação superior a 5 pessoas” deve entender-se que se trata de fogos com tipologia igual ou superior a T3.


PHG 9MAI08

terça-feira, maio 06, 2008

Plano de Acessibilidades – O que é (e o que não é)

O DL 163/2006 refere o Plano de Acessibilidades no seu artigo 3.º, n.º 5, nos seguintes termos:

“Os pedidos referentes aos loteamentos e obras abrangidas pelos n.ºs 1, 2 e 3 devem ser instruídos com um plano de acessibilidades que apresente a rede de espaços e equipamentos acessíveis bem como soluções de detalhe métrico, técnico e construtivo, esclarecendo as soluções adoptadas em matéria de acessibilidade (…).”

Esta é a única orientação contida no diploma sobre este plano.

A publicação da Portaria 232/2008, em 11 de Março, veio eliminar a dúvida que persistia relativamente à eficácia do disposto no DL 163/2006, mas avançou pouco em matéria de especificações.

Carecem de clarificação, por isso, dois tipos de questões: as características do plano enquanto peça instrutória e a informação que deve conter.

Procuraremos neste texto clarificar os contornos do plano enquanto peça instrutória, respondendo a uma sucessão de perguntas frequentes.


1. É um plano de ordenamento do território?

Não.

O uso do termo “plano” tem suscitado, de facto, alguns mal-entendidos. Na verdade, este plano é, apenas, um elemento requerido para a instrução de pedidos referentes a loteamentos e obras, no quadro do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE, na redacção dada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro).

Para que não restem dúvidas, sublinhe-se que o plano de acessibilidades não se encontra previsto no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro).


2. Quando é exigível?

Da leitura do DL 163/2006 podemos inferir que o plano não é exigível em duas situações.

Deve notar-se, para começar, que o plano vem referido no artigo 3.º (que versa sobre “licenciamento e autorização”) como elemento exigido na instrução de “pedidos referentes [a] loteamentos e obras”.

Nada consta no artigo 4.º (que versa sobre “operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública”), pelo que se deve depreender que o plano é exigível apenas na instrução de pedidos referentes a operações urbanísticas sujeitas a controlo urbanístico municipal.

A segunda situação diz respeito ao tipo de operações urbanísticas.

Como vimos, o texto citado acima refere “pedidos referentes [a] loteamentos e obras abrangidas”. Ora, como se sabe, nem todas as operações urbanísticas previstas no RJUE são “obras”.

Mais: decorre da nova redacção deste RJUE que nem todas as obras estão sujeitas a controlo prévio (e, portanto, a um processo administrativo que pressuponha uma instrução).

Deve depreender-se, assim, que o plano de acessibilidades é exigível na instrução

…de qualquer pedido referente a loteamentos que envolvam ou dêem origem, no seu todo ou em parte, a espaços e ou edifícios abrangidos pelo DL 163/2006;

…de todos os pedidos referentes a obras (apenas a obras, e apenas às que estiverem sujeitas a controlo prévio municipal) em espaços e ou edifícios abrangidos pelo DL 163/2006.

Nestes termos, o plano de acessibilidades não é exigível, por exemplo, em pedidos referentes a obras de conservação ou de escassa relevância urbanística. O que não é o mesmo que dizer, atenção, que estas obras possam produzir desconformidades com as normas técnicas de acessibilidade. Em rigor, não podem (cf. RJUE, artigo 6.º, n.º 8).


3. É um projecto de especialidade?

Não.

A redacção do DL 163/2006 e da própria Portaria 232/2008 deixa claro que este plano é uma peça instrutória, i.e., um elemento que tem de acompanhar o pedido, quer se trate de um pedido de informação prévia ou de licenciamento, ou de uma comunicação prévia.

Importa sublinhar este ponto, porque as normas de acessibilidade têm de ser cumpridas através dos projectos exigíveis (de arquitectura e, onde aplicável, de especialidades) e não num projecto à parte.


4. É uma peça do projecto de arquitectura?

Não.

Também resulta claro da redacção do DL 163/2006 e da Portaria 232/2008 que este plano é uma peça individualizada.

Porquê?

É verdade que o plano irá conter, sobretudo, especificações do projecto de arquitectura. Haverá certamente casos, contudo, em que terão de ser inseridas especificações de outros projectos.

Veja-se, a título de exemplo, o caso de edifício de habitação colectiva em que, nos termos do ponto 3.2.1 das normas técnicas, o ascensor não é instalado de raiz. Nos termos dos pontos seguintes (3.2.2 e 3.2.3), a instalação do ascensor deverá ser possível “sem alterar as fundações, a estrutura ou as instalações existentes”.

Sabendo que cabe ao projecto (no seu conjunto) garantir essa possibilidade, e que (pode) caber ao plano de acessibilidades demonstrá-la, desde logo se torna claro que não é apenas ao projecto de arquitectura que esta questão diz respeito.


5. Para que serve?

É uma peça essencialmente demonstrativa, i.e., serve para demonstrar o cumprimento das normas aplicáveis.

Esse objectivo é explícito no texto do DL 163/2006: cabe ao plano apresentar a rede de espaços e esclarecer as soluções adoptadas.

Se o plano não for encarado como mera “peça burocrática”, este esforço de demonstração será útil a diversos intervenientes.

Será útil ao projectista, a quem pode servir como ferramenta de controlo de qualidade (facilitando na fase de projecto a detecção de falhas que podem, mais tarde, vir a custar horas de trabalho… ou indemnizações).

Será útil ao técnico responsável pela apreciação do projecto, que com maior facilidade e de forma mais sistemática poderá verificar o cumprimento das normas aplicáveis.

Será, por fim, útil ao requerente, porque um projecto com menos falhas e mais facilmente verificável será apreciado de forma mais expedita, possibilitando uma tramitação do processo tendencialmente mais rápida.


6. Porquê uma peça só para acessibilidade?

Para assegurar a existência de condições de acessibilidade é necessário ter, ao mesmo tempo, uma visão integrada da edificação e uma atenção a detalhes.

É preciso, por um lado, garantir a existência de uma rede de espaços acessíveis contínua e coerente.

Mas é também preciso, por outro lado, ter em atenção um conjunto de pormenores, que embora não sejam representáveis às escalas preconizadas para o projecto de arquitectura (1:100 e 1:50) são essenciais (por exemplo) para a viabilidade da rede de espaços acessíveis – veja-se o caso dos ressaltos no piso (que não podem ter mais de 2cm), ou das faixas antiderrapantes nos degraus das escadas integradas no percurso acessível.

A importância para a acessibilidade dessa visão integrada e desses detalhes é suficientemente grande para justificar uma atenção específica, por meio de uma peça própria.


7. Quem é responsável pelo conteúdo?

Temos de distinguir, aqui, dois tipos de responsabilidade: a responsabilidade dos autores dos projectos e a responsabilidade de quem elabora a peça instrutória.

Na sua essência, o plano de acessibilidades é, como vimos, uma peça na qual são vertidas, com intuito demonstrativo, especificações do projecto.

Assim sendo, convém clarificar, primeiro, o óbvio: a responsabilidade pelas decisões de cada projecto caberá sempre ao projectista que o subscreve.

Se houver um técnico diferente a elaborar o plano de acessibilidades, isso não dispensa o projectista de assegurar que o projecto de que ele próprio (ou ela própria) é autor cumpre com todas as normas aplicáveis.

A responsabilidade que toca ao técnico que elabora o plano de acessibilidades será a da veracidade das informações nela contidas. As falsas declarações são, como se sabe, contra-ordenações puníveis e passíveis de acção disciplinar e criminal.


8. Quem deve elaborá-lo?

O DL 163/2006 não especifica qual o técnico que deve elaborar a peça.

A nova redacção do RJUE veio estabelecer a figura do coordenador de projecto (cf. Lei 60/2007, artigo 10.º, n.º 1). A este técnico compete atestar, por meio de termo de responsabilidade próprio, a observância das normas legais e regulamentares aplicáveis ao projecto (no seu conjunto) e a compatibilidade entre os diferentes projectos (curiosamente, esta compatibilidade não vem especificada na Portaria 232/2008, Anexo II).

Quando estiverem resolvidas algumas questões que ainda persistem relativamente ao próprio RJUE e às qualificações exigíveis para esse coordenador, é possível que seja o coordenador a elaborar o plano.

Note-se, entretanto, que também pode ser o autor do projecto de arquitectura a fazê-lo – nada na lei o impede. Pode, inclusive, haver situações que aconselhem esse procedimento.

Verifica-se que começa a haver oferta comercial nesta área, i.e., técnicos que no seu leque de serviços já incluem a “elaboração de planos de acessibilidades”.

Aqui, vale a pena deixar uma palavra de prudência – subcontratar a elaboração destas peças reveste-se de algum grau de risco, desde logo porque não serão esses técnicos a arcar com as responsabilidades por falhas nos projectos.

É igualmente importante ter em conta que o projectista que “subcontrata” esta peça não beneficiará da aprendizagem que sempre resulta da sua elaboração.


9. Em que fase deve ser entregue?

A acessibilidade está em causa em todas as fases de projecto, e quanto mais cedo for integrada no processo de concepção, menos correcções serão necessárias, e mais eficazes, discretas e económicas serão as soluções.

Esta é uma regra básica, que a experiência está permanentemente a comprovar.

“Introduzir” a acessibilidade apenas quando se prepara a instrução do processo é, portanto, uma “receita para o desastre”…

Se a apreciação do pedido tiver mais de uma fase, recomenda a prudência (se é que a portaria ainda deixa margem para dúvidas) que o plano de acessibilidades seja entregue em simultâneo com o elemento que define a configuração física dos espaços (planta de síntese, no caso das operações de loteamento, ou projecto de arquitectura, no caso das obras de edificação).


10. Só pode ter peças desenhadas?

Não.

Nada, na redacção do DL 163/2006 ou da Portaria 232/2007, restringe a composição do plano a peças desenhadas – os elementos escritos podem complementar os desenhos, assumindo a forma de memória descritiva ou de anotações inseridas nos desenhos.


11. E nas obras de edificação?

Refere a Portaria 232/2008, seu artigo 11.º n.º, e (por remissão) no seu artigo 12.º n.º 1, que tanto o pedido de licenciamento como a comunicação prévia referentes a obras de edificação “deve ser instruído com os seguintes elementos (…) p) Acessibilidades – desde que inclua tipologias do artigo 2.º do DL 163/2006.”

Esta referência contém uma redundância e uma gralha.

Por um lado, é redundante (mas eventualmente necessário, para evitar mal-entendidos) dizer que só os pedidos que incluam tipologias do artigo 2.º do DL 163/2006 terão de ser instruídos com plano de acessibilidades. É redundante porque, como é óbvio, a exigência do DL 163/2006 só se aplica aos pedidos abrangidos pelo próprio diploma.

Por outro lado, e como não pode deixar de ser, só por lapso (i.e., uma gralha) é que a portaria exige o elemento “acessibilidades” em vez de “plano de acessibilidades”.

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E que informação deve conter esse plano?

Estou a preparar um texto que possa servir de orientação. Têm sido muito úteis os contributos que diversos colegas têm feito chegar, em resposta ao desafio que deixei aqui. Os colegas que quiserem contribuir com a sua opinião (ou comentário, mesmo que breve) ainda vão a tempo.

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Agradecimentos: FPSM, JM, CR, JS

PHG 3MAI2008