domingo, dezembro 07, 2008

Via Pública: tempo de verde para peões


Existe alguma norma destinada a proteger os peões que atravessam a rua mais devagar?


Nas passagens de peões com semáforo, sim.

As normas técnicas do DL 163/2006 referem, no seu n.º 1.6.4:

«Caso as passagens de peões estejam dotadas de dispositivos semafóricos de controlo da circulação, devem satisfazer as seguintes condições:

1) (…)
2) O sinal verde de travessia de peões deve estar aberto o tempo suficiente para permitir a travessia, a uma velocidade de 0,4m/s, de toda a largura da via ou até ao separador central, quando ele exista;
3) (…).»


Detalhes importantes

Os “dispositivos semafóricos de controlo da circulação” são vulgarmente designados semáforos.

O espaço de tempo que esta norma define refere-se ao verde puro, i.e., não inclui o tempo de varrimento (tempo durante o qual o sinal está vermelho tanto para veículos como para peões).

A “largura da via” tomada como referência para o cálculo do tempo de verde é a largura da via no local do atravessamento. Se no local da passadeira houver um estreitamento da via (medida de acalmia de tráfego, ver fig. 1), a distância a ter em conta é a distância atravessada pela passadeira, e não a largura da via.


Fig. 1 - Estreitamento da passadeira

Assim, através deste tipo de estreitamento (designado em inglês por bottleneck, curb extension, curb bulb ou choker) é possível reduzir o tempo de verde para peões e, ao mesmo tempo, aumentar a segurança rodoviária (nota: estes estreitamentos devem ser efectuados de acordo com normas próprias).

Uma velocidade de 0,4m/s implica que por cada 40cm de distância que o peão tiver de percorrer sobre a passadeira (i.e., fora do passeio), o semáforo deve dar-lhe 1 segundo de verde.

Note-se que esta norma deve ser cumprida independentemente do tipo de via (principal, distribuidora ou não) ou do volume de tráfego. Essas características podem condicionar outras exigências (sinal sonoro, etc.), mas não esta. Basta haver um semáforo.


Aplicação prática

Se dividirmos a distância total do atravessamento (em metros) por 0,40m, obtemos (em segundos) o tempo de verde para peões.

Para mais facilmente efectuar os cálculos, podemos em alternativa multiplicar a distância total por 2,5 (dá o mesmo resultado).

Para verificar se a norma está a ser cumprida devemos então:

1. Calcular (em metros) a distância vencida pela passadeira (usando uma fita métrica ou caminhando com uma passada larga, de 1m).

2. Dividir essa medida por 0,4 (ou multiplicar por 2,5).

3. O resultado desse cálculo dá-nos (em segundos) o tempo de verde que o semáforo deve dar aos peões.

4. Cronometrar o tempo de verde que o semáforo de facto dá.

5. Comparar com o resultado do cálculo efectuado.


Impacto no tráfego

É frequente encontrar, pelo País, situações de incumprimento desta norma.

Também é frequente ouvir que o cumprimento desta norma prejudicaria a fluidez do tráfego (desconheço qualquer estudo publicado sobre esse impacto).

Como é óbvio, a cidade não pode deixar de pensar na circulação rodoviária. O que também não pode é sujeitar os peões às necessidades dos veículos. Tem de se conseguir um equilíbrio entre ambos. E esta é uma medida de equilíbrio.

O que é um facto, e está profusamente estudado, é que uma parte crescente da população atravessa a rua com uma velocidade reduzida (idosos, por exemplo), e alguns não conseguem, sequer, “alcançar” a velocidade prevista nas normas. Não pode, por isso, falar-se numa exigência “exagerada” que beneficie poucos.

Para cumprir com esta exigência, poder-se-á manter o ciclo (reduzindo o tempo de passagem para os carros) ou aumentá-lo (o que implicará maior tempo de espera para o peão).

Caso se opte pelo aumento do ciclo, deve ser tido o cuidado de não tornar a espera muito longa para os peões, pelo risco que implica de alguns deles tentarem atravessar sem verde.


Responsabilidade civil

É igualmente um facto que esta exigência consta da lei, e assim sendo, o seu incumprimento constituirá uma ilicitude, que expõe as entidades públicas (nomeadamente as autarquias) à responsabilidade civil extracontratual, nos termos do Código Civil:

«Artigo 483.º

Aquele que (…) violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

(…)

Artigo 486.º

As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando (…) havia, por força da lei (…) o dever de praticar o acto omitido.»

Neste âmbito, deve ser tido em conta que, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas), o exercício do direito de regresso passou a ser obrigatório.

Por outras palavras, se a entidade pública for condenada a pagar uma indemnização a terceiros devido a falha de um dos seus técnicos ou agentes, nos termos desta Lei ficam os responsáveis dessa entidade obrigados a exercer o direito de regresso, i.e., a exigir desse técnico que pague à entidade um valor equivalente ao que esta despendeu na indemnização.

Em suma, não se deve contemporizar com o incumprimento desta norma: está em causa a segurança física de peões e automobilistas, e a responsabilidade civil de autarquias e respectivos técnicos.


Visualização do tempo disponível

Indicar aos peões e aos automobilistas quanto tempo falta para a mudança de sinal pode ser uma boa ideia.


Fig. 2 – Dublin, Irlanda.

Segundo o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Viseu, onde este equipamento está a ser instalado, “verificamos que, no atravessamento, as pessoas têm outra postura. O peão quando verifica que falta um ou dois segundos para que o verde se extinga e passe a vermelho já não atravessa.”

Por seu turno, "o automobilista engrena a primeira velocidade quando faltam dois segundos para aparecer o verde", podendo até esse momento descansar os pés. "Não há necessidade de fazer arranques bruscos, de ter o pé na embraiagem e o carro numa rotação superior, consumindo mais combustível e produzindo mais CO2 e outros gases nocivos", acrescentou o autarca, frisando que esta demonstrou ser uma solução em que todos ganham.

(ver aqui, exemplo de Viseu).

PHG
7DEZ08


Créditos:
Foto no topo: © 2002, Luís Rocha
Fig. 1: “FHWA Course on Bicycle and Pedestrian Transportation”, Federal Highway Administration
Fig. 2: © 2008, Pedro Homem de Gouveia
Notícia Viseu: Jornal Público, citado pelo
http://cidadanialx.blogspot.com/

Agradecimentos: M.A.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Rampas: ressalto admissível?

Pode haver um ressalto de 2cm entre a plataforma horizontal da rampa e o seu plano inclinado?


Nos termos do n.º 2.5.5, a plataforma horizontal de descanso exigida no topo e na base de cada lanço de rampa deve considerar-se como parte integrante da rampa.

Qualquer desnível que exista entre o plano inclinado e qualquer uma das plataformas horizontais de descanso deve, por isso, ser contabilizado na altura vencida pela rampa (cf. n.ºs 2.5.1 e 2.5.2).

E sendo assim, uma vez que a inclinação da rampa é calculada com base na altura total vencida pela rampa, não é possível “poupar espaço de rampa” vencendo parte dessa altura com ressaltos verticais.

Omitir a existência desse ressalto nas peças desenhadas pode induzir em erro a entidade licenciadora, pelo que se deve apresentar sempre um corte longitudinal da rampa (pelo menos no plano de acessibilidades), e não apenas menção das cotas altimétricas.

Deve recordar-se, ainda, que este é um ponto em que pode perfeitamente aplicar-se o disposto no n.º 4.8.1: “as mudanças de nível abruptas devem ser evitadas”.


Para além das normas, o bom senso…

A existência de um ressalto de 2cm no início ou no final de um lanço de rampa tornaria essa rampa muito pouco funcional e, pior, propícia a quedas. Não é, sem dúvida, uma boa prática, e como vimos acima não permite poupar espaço.

Desaconselhável a todos os títulos, portanto, podendo até ser considerar-se como prática contrária ao disposto no artigo 15.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), onde se refere que “todas as edificações (…) deverão ser construídas com perfeita observância das melhores normas da arte de construir e com todos os requisitos necessários para que lhes fiquem asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança (…) mais adequadas à sua utilização (…)”.


PHG
2DEZ08

Caixas Multibanco na Via Pública

Uma caixa Multibanco aberta para a via pública tem de cumprir as normas do DL 163/2006?


Sim.

O DL 163/2006 abrange as caixas Multibanco. No seu artigo 2.º (âmbito de aplicação), n.º 2, alínea h), refere os “bancos e respectivas caixas Multibanco”.


No exterior também?

Note-se que não é feita, no âmbito de aplicação, nenhuma distinção entre as caixas Multibanco operáveis a partir do interior do edifício, ou do seu exterior. Deve presumir-se, por isso, que ambas estão abrangidas.

O facto de a secção 2.11 (onde se estabelecem as exigências relativas aos equipamentos de auto-atendimento) estar integrada no capítulo 2 (edifícios e estabelecimentos em geral) não torna estas normas menos aplicáveis a uma caixa Multibanco operável a partir da via pública.

Basta notar que estes equipamentos estão instalados em edifícios, e que as normas não distinguem entre equipamentos operáveis a partir do interior ou do exterior do edifício.


Só nos bancos?

A dúvida seguinte é suscitada pelo uso da expressão “bancos e respectivas caixas”.

Deve depreender-se que só as caixas localizadas em agências bancárias é que estão abrangidas, ou pelo contrário devem considerar-se abrangidas todas as caixas, independentemente da sua localização?

Por exemplo, as caixas Multibanco existentes nas instalações de uma companhia de seguros, também devem ser acessíveis?

Nada indica que o legislador pretendesse limitar aos bancos essa obrigação. Deve referir-se, a este propósito, o disposto na Lei n.º 46/2006, que classifica como práticas discriminatórias “a recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens e serviços” e “o impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica” (cf. artigo 4.º, alíneas a) e b) da referida lei).

A expressão “bancos e respectivas caixas” pode (e deve), nesses termos, ser entendida num sentido mais abrangente, i.e., como integrando os bancos e os equipamentos através dos quais os seus serviços são prestados, independentemente de estes se encontrarem instalados no espaço físico da agência bancária ou noutros espaços físicos.

Deve entender-se, por isso, que não são apenas as caixas localizadas em agências bancárias que estão abrangidas, mas todas as caixas Multibanco instaladas em edifícios.


Que normas se aplicam?

As caixas Multibanco são consideradas equipamentos de auto-atendimento”. As exigências aplicáveis constam da Secção 2.11 das normas técnicas do DL 163/2006.

Nos termos do n.º 2.11.1, “nos locais em que forem previstos equipamentos de auto-atendimento, pelo menos um equipamento para cada tipo de serviço” deve cumprir essas exigências.

Por outras palavras, nos locais onde houver mais de uma caixa Multibanco, o exigível é que pelo menos uma cumpra as normas.

Nenhuma dessas normas, note-se, é incompatível com a abertura da caixa Multibanco para a via pública.

Exige-se, por exemplo, que o equipamento esteja localizado junto a um percurso acessível (cf. alínea 1) do n.º 2.11.1), mas este pode, naturalmente, coincidir com a via pública.

E o mesmo se pode dizer sobre a zona de permanência (cf. alínea 2) do n.º 2.11.1).

Se num determinado edifício houver, na mesma zona, duas ou mais caixas Multibanco, e se estas estiverem distribuídas pelo interior e pelo exterior, a exigência aplica-se ao conjunto dos equipamentos disponíveis, e pode optar-se por assegurar a acessibilidade a qualquer um deles.

Se porventura o equipamento acessível se localizar no interior, deve assegurar-se que ele pode ser alcançado a partir da via pública por um percurso acessível, e deve atender-se ao cumprimento das normas aplicáveis à soleira, à porta (largura útil, zona de manobra, puxador) e a todas as partes operáveis (por exemplo, a ranhura para passar o cartão e aceder ao interior deve estar dentro da zona de alcance). E não se pode sujeitar a sua utilização a um regime horário diferente dos restantes equipamentos localizados na mesma zona.


PHG
3DEZ08

Rampas: porta no topo?


Pode colocar-se uma porta no topo de um lanço de rampa?


Não.

Uma porta integrada no percurso acessível não pode nem deve localizar-se junto a um lanço de rampa sem qualquer plano horizontal de permeio.

Nos termos do n.º 4.9.6, uma porta deve possuir de ambos os lados uma zona de manobra “de nível”.

Não é aceitável, por isso, que o piso adjacente a um dos lados da porta seja inclinado. Terá sempre de haver, pelo menos, uma plataforma de nível com a dimensão mínima da zona de manobra da porta.

Esta exigência aplica-se tanto às portas de batente como às portas de correr; e tanto às portas automáticas como às restantes.

Acresce a esta exigência, mas agora relativamente à rampa, o disposto no n.º 2.5.6:

«As plataformas horizontais de descanso [da rampa] devem (…) ter um comprimento não inferior a 1,5m.»

Deve depreender-se que este comprimento é livre, i.e., sem obstruções (porque de outra forma se torna a plataforma inútil).

Assim sendo, mesmo que a zona de manobra da porta possa ter uma profundidade de apenas 1,10m, ela na verdade coincidirá com a plataforma horizontal de descanso da rampa, que não pode ser interrompida.


Para além das normas, o bom senso…

É fácil perceber porque é que uma porta que não possua um piso de nível em ambos os lados, na zona imediatamente adjacente, é um “convite à queda”.

Da mesma forma deve ser tido em conta que a utilização de uma rampa já levanta, só por si, suficientes dificuldades, mesmo que a inclinação esteja dentro dos máximos permitidos. A localização de uma porta junto ao plano inclinado levantaria dificuldades adicionais (uma pessoa numa cadeira de rodas, por exemplo, teria de, em simultâneo, fazer força para manter a cadeira no mesmo local e para abrir a porta, tendo de manter o equilíbrio num plano inclinado…).


PHG
3DEZ08

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Âmbito: salas de aula para dança?


Um espaço destinado a aulas de dança tem de ser acessível?


Sim.

Vejamos primeiro o que diz a lei, e depois o que "faz sentido" (ou não) sentido exigir.

Nos termos do Decreto-Lei n.º 163/2006, o espaço em causa está abrangido se estiver integrado nalguma das seguintes situações:

...num edifício público (cf. artigo 2.º, n.º 1);

...num estabelecimento de educação pré-escolar ou de ensino básico, secundário ou superior, ou num centro de formação, tomando-se a expressão "formação" no seu sentido mais amplo (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea e);

...num teatro ou noutras instalações destinadas a actividades recreativas e sócio-culturais (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea m);

...em instalações desportivas, por exemplo ginásios e clubes de saúde (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea o);

...num estabelecimento comercial com superfície de acesso ao público superior a 150m2 (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea q).


Discriminação

Por sua vez, nos termos da Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, nem a deficiência nem a falta de acessibilidade podem servir de base(ou pretexto) para impedir a inscrição e ou a frequência de aulas de dança nesse espaço, uma vez que isso se enquadraria no disposto no artigo 4.º:

«Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que em razão da deficiência violem o princípio da igualdade, designadamente:

a) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens e serviços;
(...)
e) A recusa ou limitação de acesso ao meio edificado ou a locais públicos ou abertos ao público;
(...)
h) A recusa ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados (...).»


Que normas se aplicam?

Deverá assegurar-se a existência de um percurso acessível, nos termos do n.º 2.1.1, e de pelo menos um espaço de cada tipo acessível, designadamente:

...se houver salas diferentes, pelo menos uma de cada tipo;

...se houver instalações sanitárias, pelo menos uma para cada sexo, ou uma unisexo, incluindo pelo menos um aparelho de cada tipo dos que existem nas restantes (lavatório, sanita, base de duche, etc.);

...se houver vestiário, pelo menos um (se houver divisão por sexos, um para cada sexo).


...E faz sentido?

"Moralismos" à parte, temos de ter em conta que o "sentido" que algo "faz" ou não para cada um de nós resulta, apenas, da nossa experiência pessoal.

É por isso que o "fazer sentido" (ou deixar de o fazer) não constitui um critério para abertura de excepções à aplicação da lei e ao cumprimento das suas normas.

As pessoas que (por exemplo) usam cadeira de rodas também podem dançar?

Podem. Basta ler o Expresso (29.11.2008):

«Chama-se Elsa Freitas, tem 19 anos, e já fez história em Portugal. É a primeira pessoa com deficiência motora a entrar no Conservatório de Dança da Madeira. E ela dança mesmo, como se pode ver no vídeo do Expresso que acompanha um dia de aulas práticas.»

O vídeo pode ser visto aqui: http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/464477


PHG
1.DEZ.08
Dedicado aos formandos do CRPG (25Nov08)

quarta-feira, outubro 15, 2008

Índice das respostas publicadas


O Blog “Acessibilidade Portugal” já conta com quase 80 textos de esclarecimento de dúvidas.

Alguns visitantes queixam-se (e com razão) de que a consulta começa a ser pouco prática, por não haver um índice.

Para tentar resolver este problema, preparei em Excel um índice temático e um índice cronológico, que actualizarei (em princípio) de forma bimestral. É uma solução “low-tech”, bastante modesta, mas que tem (espero) o seu lado prático.

Se pretender recebê-lo bastará contactar-me por e-mail para acesso.portugal@gmail.com

É gratuito.

terça-feira, julho 22, 2008

Comércio: acesso à informação

Foi publicada em Diário da República a Lei n.º 33/2008, de 22 de Julho.

Este diploma estabelece o regime de promoção e de garantia de acesso à informação, pelas pessoas com deficiências e incapacidades visuais, das características dos produtos disponibilizados nos estabelecimentos de comércio misto.

Para efeitos da presente lei, entende-se por “estabelecimento de comércio misto” o local onde se exercem, em simultâneo, actividades de comércio alimentar e não alimentar, sem que nenhuma dessas actividades, individualmente considerada, ultrapasse 90 % do respectivo volume total de vendas.

Estão abrangidas pela presente lei as sociedades que detenham mais de cinco estabelecimentos de comércio misto, funcionando sob insígnia comum, com área superior a 300 m2 cada um.

Estas sociedades devem, nos estabelecimentos seleccionados (pelo menos um em cada Concelho), dispor de serviços de acompanhamento personalizado para as pessoas com deficiências e incapacidades visuais, no acesso aos produtos que se encontrem expostos. Esse serviço pode ser complementado por um sistema de informação adequado a pessoas com deficiências e incapacidades visuais.

A fiscalização fica a cargo da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).


PHG 22Jul08

domingo, julho 13, 2008

Habitação: percurso no interior do fogo

O percurso no interior do fogo de habitação tem de ser acessível? É preciso instalar um meio mecânico de raiz?


A resposta à primeira pergunta é “não”. A resposta à segunda pergunta é “depende”.

Vamos por partes.


1. Exige-se um percurso acessível na área privativa do fogo?

Em rigor, não.

Esta conclusão resulta do estipulado no início do Capítulo 2 relativamente ao percurso acessível no interior dos edifícios,

No ponto 2.1.1 estabelece-se que, por princípio, todos os espaços interiores e exteriores que constituem um dado edifício devem ser ligados por um percurso acessível.

No ponto seguinte, o 2.1.2, onde se definem as excepções a esse princípio, refere-se:

«Nos edifícios (…) podem não ter acesso através de um percurso acessível:

(…)

5) Os espaços e compartimentos das habitações, para os quais são definidas condições específicas na secção 3.3.»



Não se exige, portanto, um percurso acessível na área privativa do fogo.

O que se exige é um percurso que reúna um conjunto mínimo de características e que ligue um conjunto mínimo de espaços do fogo.

Se o fogo estiver organizado em apenas um nível, o percurso deverá reunir essas características em toda a sua extensão.

Se o fogo estiver organizado em mais de um nível, só no piso de entrada (que às vezes não coincide com o piso térreo) é que deve reunir todas as características.


2. Que características deve ter o percurso?

As exigências vêm enumeradas na secção 3.3, e referem-se:

…ao espaço de entrada (cf. 3.3.1);
…aos corredores e outros espaços de circulação horizontal (cf. 3.3.2);
…às escadas, quando existam (cf. 3.3.5);
…às rampas, quando existam (cf. 3.3.6);
…aos pisos e seus revestimentos (cf. 3.3.7);
…aos ressaltos no piso (cf. 3.3.7);
…às portas e outros vãos que sirvam a mesma função (cf. 3.3.8);
…aos corrimãos, comandos e controlos (cf. 3.3.9).

Importa agora reter que, com excepção do ponto 3.3.7, todas as exigências se aplicam a todo o percurso na área privativa do fogo, independentemente da tipologia ou do número de pisos desse fogo.


3. As escadas no interior do fogo estão abrangidas pela secção 2.4?

Se não é obrigatório que os espaços e compartimentos da habitação estejam ligados por um percurso acessível, então as escadas que existirem no interior do fogo não têm de cumprir as normas da Secção 2.4, que dizem respeito às escadas integradas no percurso acessível.

Assim, e nos termos do DL 163/2006, essas escadas podem não ter faixas antiderrapantes, nem corrimãos, podem ter espelhos vazados, etc.

Não é conveniente que assim seja, para segurança do morador. Mas essa é uma questão de qualidade da arquitectura, não é uma exigência do DL 163/2006.

Em síntese, portanto, as escadas que dêem acesso a “compartimentos habitáveis” do fogo terão de cumprir, nem mais nem menos, o que consta do ponto 3.3.5, ou seja:

“1) A largura dos lanços, patamares e patins não deve ser inferior a 1 m;

2) Os patamares superior e inferior devem ter uma profundidade, medida no sentido do movimento, não inferior a 1,2 m.”


Duas notas relativamente à largura da escada.

…a medida indicada prevalece sobre medidas menos exigentes (por exemplo, 0,8m definidos no artigo 46.º, n.º 1, do RGEU).

…a largura útil de 1 m permitirá ao morador instalar, em caso de necessidade, uma cadeira elevatória de escada. Este meio mecânico pode ser útil em diversas situações, mas confere uma autonomia limitada. Recomenda-se, por isso, que a largura útil da escada seja de 1,2 m, porque essa medida já permite a instalação de uma plataforma elevatória (em caso de necessidade).


4. E se o fogo tiver mais de um nível?

Só num dos pontos da Secção 3.3 é que se prevê a possibilidade das normas serem aplicadas apenas a parte do percurso.

É no ponto 3.3.7:

«Os pisos e revestimentos das habitações devem satisfazer o especificado na secção 4.7 e na secção 4.8; se os fogos se organizarem em mais de um nível, pode não ser cumprida esta condição desde que exista pelo menos um percurso que satisfaça o especificado [nessas secções] entre a porta de entrada/saída e os seguintes compartimentos:

1) Um quarto, no caso de habitações com lotação superior a cinco pessoas;
2) Uma cozinha conforme especificado no n.º 3.3.3;
3) Uma instalação sanitária, conforme especificado no n.º 3.3.4.»


É um facto que a redacção deste ponto tende a induzir em erro, desde logo porque refere “os pisos e seus revestimentos” no início da frase quando, na verdade, as suas disposições têm um impacto muito mais pronunciado na organização do fogo.

Em todo o caso, embora a redacção possa não ser clara, os seus efeitos são.

As normas da secção 4.7 (pisos e seus revestimentos) e a secção 4.8 (ressaltos no piso) não têm de ser cumpridas em todo o percurso, mas apenas numa parte – a que se encontra no piso de entrada.

Essa parte do percurso deverá ligar:

…a porta de entrada/saída no fogo (não se especificando que tem de ser a principal, quando exista mais de uma);
…a zona de rotação de 360º exigida junto à entrada (cf. 3.3.1);
…uma cozinha que cumpra as condições de 3.3.3;
…uma instalação sanitária que cumpra as condições de 3.3.4.

Se o fogo tiver uma tipologia igual ou superior a T3 (pelas razões já referidas noutro texto, aqui), então a parte do percurso referida acima deve ligar, também, um quarto.

Ao longo desta parte do percurso é conveniente não haver nenhum ressalto superior a 2cm de altura.

Isto porque no ponto 3.3.7 se remete para a secção 4.8.

Dessa secção consta o ponto 4.8.2, alínea 3), que refere:

«Se existirem mudanças de nível (…) com uma altura superior a [2cm], devem ser vencidas por uma rampa ou por um dispositivo mecânico de elevação.»

À luz das normas do DL 163/2006, qualquer ressalto superior a 2cm deve ser visto como equivalente a uma escada – uma vez que esse é, de facto, o seu impacto para a acessibilidade.


5. É obrigatório instalar meio mecânico no interior do fogo?

Depende.

Se existir um ressalto superior a 2cm na parte do percurso que tem de cumprir com as normas da secção 4.8, ou se cria uma rampa ou se instala, de raiz (i.e., com a obra original, e não a posteriori), um meio mecânico (ascensor ou plataforma elevatória).

Se o ressalto existir fora dessa parte do percurso (por exemplo, na ligação à sala), já não haverá que cumprir a secção 4.8, e o ressalto poderá permanecer sem alternativa.

Como é óbvio, a intenção do legislador não é obrigar à instalação de raiz de meios mecânicos em todas as vivendas do País.

O que se pretende, pelo contrário, é assegurar a existência de um percurso sem ressaltos superiores a 2cm de altura em pelo menos um piso do fogo, ligando um conjunto mínimo de espaços.


6. Meio mecânico pode ficar previsto?

Não.

Se a instalação do meio mecânico for obrigatória, não basta deixá-la prevista – ela é obrigatória de raiz.

A possibilidade de instalação futura referida no ponto 3.2.2 aplica-se apenas aos espaços comuns dos edifícios de habitação colectiva.

Se a obra estiver abrangida pelo DL 163/2006 e se nos termos deste diploma essa instalação de meio mecânico for obrigatória, não havendo nenhum motivo de força maior que torne essa exigência impraticável (direitos constituídos em vigor, por exemplo), a não instalação do meio mecânico é motivo suficiente, por exemplo, para que o responsável pela direcção técnica se recuse a assinar o termo de encerramento da obra, ou para que a licença de utilização não seja passada.


7. Porque se obriga o morador a dormir no piso de entrada?

Ninguém obriga o morador a usar como “quarto de dormir” o quarto exigido pelo DL 163/2006 no piso de entrada.

Como se sabe, nem o “escritório” nem a “sala de jantar” constam do conjunto de compartimentos previstos pelo RGEU no seu artigo 66.º. E como é óbvio, não há nenhuma ilegalidade no facto de o morador usar como escritório um compartimento que, à luz do RGEU, se classificou como “quarto de dormir”.

Essa classificação significa apenas que o compartimento em causa entra na contagem da tipologia e está obrigado a ter determinada área mínima, condições para utilização autónoma e vão para o exterior.

Assim sendo, o “quarto” exigido no ponto 3.3.7 não terá de ser usado para dormir – terá, isso sim, de ser um compartimento classificável à luz do RGEU como “quarto de dormir”, e de ser classificado enquanto tal no projecto.


PHG 13JUL08

sábado, julho 05, 2008

Portugal em Língua Gestual



Alguns visitantes do blog têm manifestado interesse em saber mais sobre Língua Gestual Portuguesa ou sobre as necessidades das pessoas surdas em termos de acessibilidade.

Sugiro o contacto com a Associação Portuguesa de Surdos, que tem instalações (pelo menos) em Lisboa e Porto.

E aproveito para divulgar - para quem tiver curiosidade - duas interessantes bandas desenhadas, com língua gestual - uma visita ao Porto (onde se aprende a dizer "tripas à moda do Porto", e não só...!) e outra à descoberta de Portugal.

Obras do Professor Francisco Goulão,surdo e professor de surdos (e de pintura) há mais de 30 anos.

links:
http://profsurdogoulao8.no.sapo.pt/
http://profsurdogoulao9.no.sapo.pt/

PHG 5JUL08

p.s. - Bem sei que este blog se destina sobretudo a esclarecimentos técnicos, mas às vezes vale a pena variar.

sexta-feira, julho 04, 2008

Rampa: cálculo da inclinação

Como se calcula a inclinação da rampa? Existe alguma maneira simples de a medir?

Vale a pena divulgar a fórmula, e um procedimento expedito para a aplicar no terreno.


A fórmula

Como se sabe, a inclinação máxima das rampas vem indicada, nas normas técnicas, em percentagem (%). Deve notar-se, desde já, que a percentagem de inclinação é muito diferente do grau de inclinação (por outras palavras, 5% não é a mesma coisa que 5º).

A fórmula de cálculo desta percentagem é a seguinte:

Inclinação = altura x 100 : comprimento

Por extenso: a percentagem de inclinação da rampa é igual ao produto da altura por 100, dividido pelo comprimento.

A “altura” é a altura que a rampa vence, medida na vertical, e o “comprimento” é a extensão horizontal em que a rampa vence essa altura.

Na realização do cálculo ambos devem ser referidos na mesma unidade, ou seja, se a altura entrar em centímetros, o comprimento também terá de entrar em centímetros. Se a rampa vencer 8 centímetros numa extensão de 2 metros, usaremos para o cálculo 8cm e 200cm.


No terreno

Para não ter de estar sempre a realizar estes cálculos, podemos usar um “truque”.

Esse “truque” dispensa-nos de medir todo o comprimento da rampa e toda a altura, tomando por referência uma parte da rampa que tenha a mesma inclinação da restante.

Olhando para a fórmula, o que verificamos é que se o comprimento medido for 1 metro (ou 100 centímetros, que é o mesmo), o valor da altura vencida pela rampa será idêntico ao valor da inclinação.

Vejamos:

Inclinação = altura (cm) x 100 : 100 (cm)

Ora, se 100 a dividir por 100 dá 1, então...

Inclinação (%) = altura (cm)

Para aplicar este “truque” no terreno, bastará usar um nível de bolha (à venda em lojas de ferramentas) que tenha 1 (um) metro de comprimento. Se o nível for mais curto, pode adicionar-se uma régua de madeira ou alumínio que tenha 1 metro de comprimento, e fixá-la seguramente (com fita-cola, por exemplo). E depois:

1. Escolha a direcção em que quer medir a inclinação.

2. Coloque o nível na posição horizontal, a tocar com um dos seus extremos no pavimento (Fig. 1).

3. Usando uma fita métrica, meça na vertical, no extremo oposto do nível, a altura que vai do pavimento até à base do nível.

4. O valor que obtiver é idêntico ao valor da inclinação.

Fig. 1 Alinhar a régua, assentar num extremo, colocar de nível

Fig. 2 Medir a altura no extremo oposto.

Outras inclinações

Este método é bastante útil para medir a inclinação longitudinal (na direcção do movimento) de lanços de rampa rectos.

Pode não ser tão fácil aplicá-lo quando se quer medir a inclinação transversal (i.e., a que é perpendicular à direcção do movimento) de lanços rectos.

E não deve ser aplicado em rampas curvas (noutro texto veremos porquê).


PHG 4JUL08

Agradecimentos: Celeste Costa (pela oportunidade), António G., e ao modelo, encarregado da minha primeira obra (Alcântara, 2004)

Formação em Proença-a-Nova


(clique na imagem para ampliar)

quarta-feira, julho 02, 2008

Acessibilidade na Contratação Pública

O Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, veio aprovar o Código dos Contratos Públicos, que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo.

Chama-se a atenção para o seguinte ponto:

«Artigo 49.º
Especificações Técnicas

14 - Sempre que possível, as especificações técnicas devem ser fixadas por forma a contemplar características dos bens a adquirir ou das obras a executar que permitam a sua utilização por pessoas com deficiências ou por qualquer utilizador


PHG 2JUL2008

Agradecimento: Jorge Falcato

sábado, maio 10, 2008

Habitação: como determinar lotação?


O DL 163/2006 refere lotação superior a 5 pessoas. A que tipologia corresponde essa lotação? Pode usar-se o RCCTE?


Para aplicação do DL 163/2006 deve entender-se por lotação superior a 5 pessoas um fogo com tipologia igual ou superior a T3.

Esta questão já foi tratada neste texto, mas vejamos novamente porquê.

As normas do DL 163/06 referem, no seu ponto 3.3.7, alínea 1), “habitações com lotação superior a 5 pessoas”, nada indicando, de facto, sobre a correspondente tipologia.


O que diz o RGEU

A tipologia dos fogos de habitação, como é sabido, vem estabelecida no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

O RGEU contém no seu artigo 66.º, n.º 1, um quadro que define o número de compartimentos e as respectivas áreas mínimas para cada tipologia. Nesse quadro, é feita referência a diferentes tipos de quarto: de casal, duplo e simples.

Como passar daí para a lotação? O termo “lotação” vem definido no Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, da Michaelis, como o “conjunto de lugares que as pessoas podem ocupar em determinado recinto”. Por outras palavras: quantos lugares?

Assim, e considerando que os quartos de casal e os quartos duplos têm uma lotação de duas pessoas cada, e os quartos simples de uma pessoa apenas, podemos concluir que:

…uma habitação T2 (1 quarto casal + 1 quarto duplo) terá uma lotação de 4 pessoas;

…uma habitação T3 (1 quarto casal + 2 quartos duplos) terá uma lotação de 6 pessoas.

Nestes termos, por “habitações com lotação superior a 5 pessoas” deve entender-se habitações tipo T3 (inclusive) ou maior.


O que diz o RCCTE

O Decreto-Lei n.º 80/2006, de 4 de Abril, veio estabelecer o Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE).

No Anexo VI, deste Regulamento, onde se define o “Método de cálculo das necessidades de energia para preparação de água quente sanitária”, encontra-se o quadro VI.1, que convenciona o número de ocupantes para diferentes tipologias.

Nos termos desse quadro, só os fogos com tipologia igual ou superior a T5 teriam a “lotação superior a 5 pessoas” referida pelo DL 163/2006.

Todavia, com uma leitura detalhada do regulamento verificamos que o quadro VI.1 do RCCTE não serve de referência para aplicação do DL 163/2006.

Desde logo, deve notar-se que o quadro VI.1 não tem por título “lotação” mas sim “número convencional de ocupantes em função da tipologia”, o que em rigor é uma coisa bem diferente.

Em nenhum ponto do RCCTE, aliás, se refere a lotação e muito menos se indica que esse quadro a define para os fogos de habitação.

O quadro tem, pelo contrário, uma utilidade bem mais restrita.


Aplicação limitada

Basta repetir o título do anexo em que ele está inserido para se ter de concluir que os dados que constam do quadro serão aplicados no “cálculo das necessidades de energia para preparação de água quente sanitária”.

Mais nítida resulta essa conclusão se não nos ficarmos pelo título. Repare-se na redacção do ponto 2.1 do Anexo VI, em que o quadro é inserido:

“Nos edifícios residenciais o consumo médio diário de referência (…) é dado pela expressão: Maqs = 40 [litros] x número de ocupantes, sendo o número convencional de habitantes dado pela expressão de cada fracção autónoma definido no quadro VI.1.”

Como é evidente, não pretendia o legislador determinar com este quadro a lotação dos fogos de habitação, mas apenas convencionar a determinação de uma variável necessária para a realização do cálculo das “necessidades de energia para preparação de água quente sanitária”.


Conclusão

Se das tipologias do RGEU se pode inferir a lotação (i.e., quartos de casal e duplo têm lugar para duas pessoas, quartos individuais para uma), o mesmo não se passa com o RCCTE, que mais não faz do que convencionar o número de ocupantes a considerar nos seus próprios cálculos.

O quadro VI.1 do RCCTE serve apenas para aplicação nos cálculos do RCCTE. Nada há que nos permita usá-lo como ferramenta de interpretação do DL 163/2006.

Assim sendo, onde o DL 163/2006 refere “habitações com lotação superior a 5 pessoas” deve entender-se que se trata de fogos com tipologia igual ou superior a T3.


PHG 9MAI08

terça-feira, maio 06, 2008

Plano de Acessibilidades – O que é (e o que não é)

O DL 163/2006 refere o Plano de Acessibilidades no seu artigo 3.º, n.º 5, nos seguintes termos:

“Os pedidos referentes aos loteamentos e obras abrangidas pelos n.ºs 1, 2 e 3 devem ser instruídos com um plano de acessibilidades que apresente a rede de espaços e equipamentos acessíveis bem como soluções de detalhe métrico, técnico e construtivo, esclarecendo as soluções adoptadas em matéria de acessibilidade (…).”

Esta é a única orientação contida no diploma sobre este plano.

A publicação da Portaria 232/2008, em 11 de Março, veio eliminar a dúvida que persistia relativamente à eficácia do disposto no DL 163/2006, mas avançou pouco em matéria de especificações.

Carecem de clarificação, por isso, dois tipos de questões: as características do plano enquanto peça instrutória e a informação que deve conter.

Procuraremos neste texto clarificar os contornos do plano enquanto peça instrutória, respondendo a uma sucessão de perguntas frequentes.


1. É um plano de ordenamento do território?

Não.

O uso do termo “plano” tem suscitado, de facto, alguns mal-entendidos. Na verdade, este plano é, apenas, um elemento requerido para a instrução de pedidos referentes a loteamentos e obras, no quadro do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE, na redacção dada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro).

Para que não restem dúvidas, sublinhe-se que o plano de acessibilidades não se encontra previsto no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro).


2. Quando é exigível?

Da leitura do DL 163/2006 podemos inferir que o plano não é exigível em duas situações.

Deve notar-se, para começar, que o plano vem referido no artigo 3.º (que versa sobre “licenciamento e autorização”) como elemento exigido na instrução de “pedidos referentes [a] loteamentos e obras”.

Nada consta no artigo 4.º (que versa sobre “operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública”), pelo que se deve depreender que o plano é exigível apenas na instrução de pedidos referentes a operações urbanísticas sujeitas a controlo urbanístico municipal.

A segunda situação diz respeito ao tipo de operações urbanísticas.

Como vimos, o texto citado acima refere “pedidos referentes [a] loteamentos e obras abrangidas”. Ora, como se sabe, nem todas as operações urbanísticas previstas no RJUE são “obras”.

Mais: decorre da nova redacção deste RJUE que nem todas as obras estão sujeitas a controlo prévio (e, portanto, a um processo administrativo que pressuponha uma instrução).

Deve depreender-se, assim, que o plano de acessibilidades é exigível na instrução

…de qualquer pedido referente a loteamentos que envolvam ou dêem origem, no seu todo ou em parte, a espaços e ou edifícios abrangidos pelo DL 163/2006;

…de todos os pedidos referentes a obras (apenas a obras, e apenas às que estiverem sujeitas a controlo prévio municipal) em espaços e ou edifícios abrangidos pelo DL 163/2006.

Nestes termos, o plano de acessibilidades não é exigível, por exemplo, em pedidos referentes a obras de conservação ou de escassa relevância urbanística. O que não é o mesmo que dizer, atenção, que estas obras possam produzir desconformidades com as normas técnicas de acessibilidade. Em rigor, não podem (cf. RJUE, artigo 6.º, n.º 8).


3. É um projecto de especialidade?

Não.

A redacção do DL 163/2006 e da própria Portaria 232/2008 deixa claro que este plano é uma peça instrutória, i.e., um elemento que tem de acompanhar o pedido, quer se trate de um pedido de informação prévia ou de licenciamento, ou de uma comunicação prévia.

Importa sublinhar este ponto, porque as normas de acessibilidade têm de ser cumpridas através dos projectos exigíveis (de arquitectura e, onde aplicável, de especialidades) e não num projecto à parte.


4. É uma peça do projecto de arquitectura?

Não.

Também resulta claro da redacção do DL 163/2006 e da Portaria 232/2008 que este plano é uma peça individualizada.

Porquê?

É verdade que o plano irá conter, sobretudo, especificações do projecto de arquitectura. Haverá certamente casos, contudo, em que terão de ser inseridas especificações de outros projectos.

Veja-se, a título de exemplo, o caso de edifício de habitação colectiva em que, nos termos do ponto 3.2.1 das normas técnicas, o ascensor não é instalado de raiz. Nos termos dos pontos seguintes (3.2.2 e 3.2.3), a instalação do ascensor deverá ser possível “sem alterar as fundações, a estrutura ou as instalações existentes”.

Sabendo que cabe ao projecto (no seu conjunto) garantir essa possibilidade, e que (pode) caber ao plano de acessibilidades demonstrá-la, desde logo se torna claro que não é apenas ao projecto de arquitectura que esta questão diz respeito.


5. Para que serve?

É uma peça essencialmente demonstrativa, i.e., serve para demonstrar o cumprimento das normas aplicáveis.

Esse objectivo é explícito no texto do DL 163/2006: cabe ao plano apresentar a rede de espaços e esclarecer as soluções adoptadas.

Se o plano não for encarado como mera “peça burocrática”, este esforço de demonstração será útil a diversos intervenientes.

Será útil ao projectista, a quem pode servir como ferramenta de controlo de qualidade (facilitando na fase de projecto a detecção de falhas que podem, mais tarde, vir a custar horas de trabalho… ou indemnizações).

Será útil ao técnico responsável pela apreciação do projecto, que com maior facilidade e de forma mais sistemática poderá verificar o cumprimento das normas aplicáveis.

Será, por fim, útil ao requerente, porque um projecto com menos falhas e mais facilmente verificável será apreciado de forma mais expedita, possibilitando uma tramitação do processo tendencialmente mais rápida.


6. Porquê uma peça só para acessibilidade?

Para assegurar a existência de condições de acessibilidade é necessário ter, ao mesmo tempo, uma visão integrada da edificação e uma atenção a detalhes.

É preciso, por um lado, garantir a existência de uma rede de espaços acessíveis contínua e coerente.

Mas é também preciso, por outro lado, ter em atenção um conjunto de pormenores, que embora não sejam representáveis às escalas preconizadas para o projecto de arquitectura (1:100 e 1:50) são essenciais (por exemplo) para a viabilidade da rede de espaços acessíveis – veja-se o caso dos ressaltos no piso (que não podem ter mais de 2cm), ou das faixas antiderrapantes nos degraus das escadas integradas no percurso acessível.

A importância para a acessibilidade dessa visão integrada e desses detalhes é suficientemente grande para justificar uma atenção específica, por meio de uma peça própria.


7. Quem é responsável pelo conteúdo?

Temos de distinguir, aqui, dois tipos de responsabilidade: a responsabilidade dos autores dos projectos e a responsabilidade de quem elabora a peça instrutória.

Na sua essência, o plano de acessibilidades é, como vimos, uma peça na qual são vertidas, com intuito demonstrativo, especificações do projecto.

Assim sendo, convém clarificar, primeiro, o óbvio: a responsabilidade pelas decisões de cada projecto caberá sempre ao projectista que o subscreve.

Se houver um técnico diferente a elaborar o plano de acessibilidades, isso não dispensa o projectista de assegurar que o projecto de que ele próprio (ou ela própria) é autor cumpre com todas as normas aplicáveis.

A responsabilidade que toca ao técnico que elabora o plano de acessibilidades será a da veracidade das informações nela contidas. As falsas declarações são, como se sabe, contra-ordenações puníveis e passíveis de acção disciplinar e criminal.


8. Quem deve elaborá-lo?

O DL 163/2006 não especifica qual o técnico que deve elaborar a peça.

A nova redacção do RJUE veio estabelecer a figura do coordenador de projecto (cf. Lei 60/2007, artigo 10.º, n.º 1). A este técnico compete atestar, por meio de termo de responsabilidade próprio, a observância das normas legais e regulamentares aplicáveis ao projecto (no seu conjunto) e a compatibilidade entre os diferentes projectos (curiosamente, esta compatibilidade não vem especificada na Portaria 232/2008, Anexo II).

Quando estiverem resolvidas algumas questões que ainda persistem relativamente ao próprio RJUE e às qualificações exigíveis para esse coordenador, é possível que seja o coordenador a elaborar o plano.

Note-se, entretanto, que também pode ser o autor do projecto de arquitectura a fazê-lo – nada na lei o impede. Pode, inclusive, haver situações que aconselhem esse procedimento.

Verifica-se que começa a haver oferta comercial nesta área, i.e., técnicos que no seu leque de serviços já incluem a “elaboração de planos de acessibilidades”.

Aqui, vale a pena deixar uma palavra de prudência – subcontratar a elaboração destas peças reveste-se de algum grau de risco, desde logo porque não serão esses técnicos a arcar com as responsabilidades por falhas nos projectos.

É igualmente importante ter em conta que o projectista que “subcontrata” esta peça não beneficiará da aprendizagem que sempre resulta da sua elaboração.


9. Em que fase deve ser entregue?

A acessibilidade está em causa em todas as fases de projecto, e quanto mais cedo for integrada no processo de concepção, menos correcções serão necessárias, e mais eficazes, discretas e económicas serão as soluções.

Esta é uma regra básica, que a experiência está permanentemente a comprovar.

“Introduzir” a acessibilidade apenas quando se prepara a instrução do processo é, portanto, uma “receita para o desastre”…

Se a apreciação do pedido tiver mais de uma fase, recomenda a prudência (se é que a portaria ainda deixa margem para dúvidas) que o plano de acessibilidades seja entregue em simultâneo com o elemento que define a configuração física dos espaços (planta de síntese, no caso das operações de loteamento, ou projecto de arquitectura, no caso das obras de edificação).


10. Só pode ter peças desenhadas?

Não.

Nada, na redacção do DL 163/2006 ou da Portaria 232/2007, restringe a composição do plano a peças desenhadas – os elementos escritos podem complementar os desenhos, assumindo a forma de memória descritiva ou de anotações inseridas nos desenhos.


11. E nas obras de edificação?

Refere a Portaria 232/2008, seu artigo 11.º n.º, e (por remissão) no seu artigo 12.º n.º 1, que tanto o pedido de licenciamento como a comunicação prévia referentes a obras de edificação “deve ser instruído com os seguintes elementos (…) p) Acessibilidades – desde que inclua tipologias do artigo 2.º do DL 163/2006.”

Esta referência contém uma redundância e uma gralha.

Por um lado, é redundante (mas eventualmente necessário, para evitar mal-entendidos) dizer que só os pedidos que incluam tipologias do artigo 2.º do DL 163/2006 terão de ser instruídos com plano de acessibilidades. É redundante porque, como é óbvio, a exigência do DL 163/2006 só se aplica aos pedidos abrangidos pelo próprio diploma.

Por outro lado, e como não pode deixar de ser, só por lapso (i.e., uma gralha) é que a portaria exige o elemento “acessibilidades” em vez de “plano de acessibilidades”.

*****

E que informação deve conter esse plano?

Estou a preparar um texto que possa servir de orientação. Têm sido muito úteis os contributos que diversos colegas têm feito chegar, em resposta ao desafio que deixei aqui. Os colegas que quiserem contribuir com a sua opinião (ou comentário, mesmo que breve) ainda vão a tempo.

*****

Agradecimentos: FPSM, JM, CR, JS

PHG 3MAI2008

quarta-feira, abril 09, 2008

Formação - Área Metropolitana do Porto

Na sequência de diversas solicitações, está em preparação uma acção de formação em Acessibilidade e Design Universal para a área metropolitana do Porto.

Data: a definir

Horário de Funcionamento:
Dois dias consecutivos, das 9h30 às 13h00 e das 14h00 às 17h30 (total: 14 horas de formação).

Destinatários:
Arquitectos e outros técnicos ligados ao sector da construção; autarcas.

Objectivos gerais:
Pretende-se com esta acção:
a) Transmitir os conceitos de Acessibilidade e Design Universal, enquanto critério objectivo de qualidade do edificado e condição para o pleno exercício dos direitos constitucionais;
b) Abordar a legislação aplicável em matéria de Acessibilidade e a responsabilidade profissional que resulta do novo quadro jurídico;
c) Facultar princípios, estratégias e metodologias elementares de promoção da Acessibilidade, que ajudem ao cumprimento sistemático das normas.

Conteúdos:
Serão abordados os seguintes temas:
a) Conceitos de Incapacidade, Acessibilidade e Design Universal;
b) Enquadramento jurídico do DL 163/06 e panorama internacional;
c) Matérias estruturantes do DL 163/06;
d) Princípios e metodologias básicas de promoção da Acessibilidade;
e) Promoção da Acessibilidade na via pública, em edifícios e estabelecimentos em geral e na habitação.

Formador: Pedro Homem de Gouveia, Arq.

Preço: 80 Euros (não acrescerá IVA).

Inscrição:
Através de envio de e-mail para acesso.portugal@gmail.com com os seguintes elementos:
a) Nome
b) Contactos directos – telefone (ou telemóvel) e endereço de e-mail
c) Dados para emissão de factura (nome ou entidade e respectiva morada e n.º de contribuinte).

Pagamento:
Após definição da data, os inscritos serão convidados a confirmar a sua inscrição.
Deverá ser efectuado no momento da inscrição por transferência bancária, para a conta da Associação Projectar para Todos na Caixa Geral de Depósitos (NIB 00.350.197.000.308.226.3060) devendo o comprovativo da transferência bancária ser enviado por e-mail para acesso.portugal@gmail.com.

A inscrição apenas será considerada válida depois de efectuado o pagamento.

Atendendo aos procedimentos específicos na Administração Pública, o pagamento da inscrição de técnicos do Estado pode ser diferido, de acordo com os procedimentos próprios de cada entidade.

Com a frequência da acção, será entregue um certificado de participação.

Mais Informações:
Pedro Homem de Gouveia (tel: 917.32.28.24, acesso.portugal@gmail.com).

Vagas Limitadas:
Número mínimo de inscrições: 15
Número máximo de inscrições: 20

Local:
Instalações do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (Avenida João Paulo II, Arcozelo, Vila Nova de Gaia). Transportes: por automóvel (cf. http://www.crpg.pt/, mapa em “onde estamos", estacionamento gratuito na área circundante), comboio (estação da Aguda a 5 minutos de táxi) ou autocarro (zona servida pela Auto-Viação Espinho e pela Sequeira Lucas, ambas com partidas do Porto).

Acção promovida pela Associação Projectar para Todos.
Apoio: Centro de Reabilitação Profissional de Gaia


segunda-feira, março 24, 2008

Plano de Acessibilidades - exemplos gráficos


Vários técnicos me têm perguntado como fazer um plano de acessibilidades, para instruir um pedido de licença ou comunicação prévia.

A entidade competente para prestar esse tipo de esclarecimento será a câmara municipal.

Mas este dilema tem interpelado, também, vários técnicos das câmaras municipais... que me perguntam o que é que exactamente é suposto exigirem.

Como fazer, então?

Partilhar ideias e pedir feedback.

Com esse objectivo, parece-me útil exibir alguns trabalhos realizados para o Prémio Mobilidade 2007, um concurso promovido pela Ordem dos Arquitectos e pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Os concorrentes tinham de responder a um programa corrente - projectar um edifício de habitação colectiva com 1 piso de garagem, piso térreo com comércio e 2 outros pisos, cada um com 1 fogo T2 e 1 fogo T3. O edifício tinha de cumprir as normas do DL 163/2006 para a habitação.

Foi pedido aos concorrentes que elaborassem um plano de acessibilidades para o projecto e, face à (propositada) falta de orientações, eles tiveram de “inventar” esse plano.

São essas invenções (passe a expressão, que não pretende ser depreciativa) que se publicam adiante.
Esta publicação não quer dizer que todas elas sejam adequadas. Abstenho-me, aliás, de comentá-las, porque me interessa o seu comentário.

Peço que comente estas propostas por e-mail (acesso.portugal@gmail.com). O seu feedback ajudar-me-á na elaboração de um texto sobre o plano de acessibilidades, que pretendo publicar no blogue (a não ser que o autor da mensagem expressamente o pretenda, eu não a divulgarei, i.e., guardarei sigilo sobre todas as mensagens).

Pergunta "sobre a mesa":

O plano de acessibilidades é uma peça instrutória que tem por objectivo demonstrar de forma sistemática o cumprimento das normas aplicáveis de acessibilidade pelo projecto, apresentando a rede de espaços acessíveis e soluções de detalhe métrico que ilustrem as soluções adoptadas em matéria de acessibilidade. Em que medida é que cada uma destas propostas é (ou não) eficaz a fazer essa demonstração?

Apelo à sua objectividade e capacidade de síntese. Peço, ainda, que as referências a propostas específicas mencionem o respectivo código (P1, P2, etc.).

Três notas importantes:

a) Publicam-se peças isoladas que, só por si, não chegam para ilustrar os respectivos projectos (nem lhes fazem a devida justiça, porque eram muito interessantes). Não está aqui em causa o projecto, nem eventuais desconformidades com as normas. O que se procura é discutir a eficácia da peça, enquanto elemento demonstrativo.

b) Nalguns casos a legibilidade foi prejudicada pelo formato JPEG em que se tem de publicar os ficheiros no blogue (ou seja, por motivos alheios aos autores). Clique nas imagens para as aumentar.

c) Estas imagens estão protegidas por direitos de autor, e a sua publicação neste blogue não dispensa aqueles que queiram utilizá-las para outros fins de pedir expressamente autorização aos respectivos autores.

Termino com uma referência especial a todos os concorrentes que prontamente responderam ao meu "convite-desafio", deixando um agradecimento especial e uma palavra de sincera consideração pelo trabalho realizado.

P 1 a - Cláudio Vilarinho (+ Michael Ferreira, colaborador)

P 1 b - Cláudio Vilarinho (+ Michael Ferreira, colaborador)

P 2 - Nuno Tavares da Costa

P 3 - Maria Cristina Chicau + João Carlos de Almeida e Silva


P 4 - Mariana Sendas + António Ferreira


P 5 a - Sérgio Oliveira + Nuno Pereira


P 5 b - Sérgio Oliveira + Nuno Pereira


P 6 - Rui Correia Cação (+ Mike David Gomes Mendes, colaborador)


P 7 a - Raulino Oliveira da Silva (+ Nuno Oliveira Rodrigues, colaborador)


P 7 b - Raulino Oliveira da Silva (+ Nuno Oliveira Rodrigues, colaborador)


P 8 a - Vanessa Simões Carvalho + Diana Catarina Lages


P 8 b - Vanessa Simões Carvalho + Diana Catarina Lages


P 9 - Carlos Veloso + Rui Veloso + Filipe Marinho


P 10 - José Bronze


P 11 - Ricardo Gonçalves
PHG 26MAR08

sexta-feira, março 21, 2008

Grau de detalhe no projecto e no controlo prévio

As normas do DL 163/2006 têm um grau de detalhe que não encontramos nos projectos de arquitectura entregues para licenciamento. Até que ponto é que a câmara municipal tem de verificar o seu cumprimento? Não basta o termo de responsabilidade do projectista?


São três questões distintas.

1.ª Questão: se o projectista assume a responsabilidade pelo cumprimento das normas de acessibilidade, a câmara fica dispensada de verificar esse cumprimento?

2.ª Questão: se tiver de o verificar, com que grau de detalhe deve a câmara fazê-lo?

3.ª Questão: o DL 163/2006 introduz alguma particularidade nesta relação?

As duas primeiras questões têm sido, como sabemos, colocadas de forma recorrente nos últimos anos e não decorrem apenas do DL 163/2006, embora este diploma as suscite de forma renovada.

Abordaremos uma questão de cada vez, procurando estabelecer uma leitura que, sustentando-se na lei, seja equilibrada, prudente e útil, quer para os técnicos que projectam, quer para os que apreciam os projectos.


1. O termo de responsabilidade dispensa controlo municipal?

No caso do projecto de arquitectura, não.

[Nota: coisa diferente se passa com os projectos de engenharia de especialidades (cf. RJUE, artigo 20.º, n.º 8). Neste texto abordaremos apenas o projecto de arquitectura, doravante designado simplesmente por “projecto”]

O termo de responsabilidade tem a sua redacção estabelecida no Anexo I da Portaria n.º 232/2008, de 11 de Março, que enuncia todos os elementos que devem instruir os pedidos de realização de operações urbanísticas.

Esta portaria surgiu na sequência da alteração ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL 555/99 na redacção dada pela Lei 60/2007, doravante RJUE), tendo revogado a Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro.

Nesse termo de responsabilidade, o autor do projecto deverá declarar que o mesmo “observa as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente [as normas técnicas gerais e específicas de construção, os instrumentos de gestão territorial, o alvará de loteamento ou a informação prévia, quando aplicáveis]”, bem como “justificar fundamentadamente as razões da não observância de normas (…) nos casos previstos [no artigo 60.º do RJUE].”

É verdade que ao fazer esta declaração, o projectista assume a responsabilidade pelo cumprimento integral de todas as normas aplicáveis.

Mas esta declaração, mesmo vinculando o projectista, não elimina a pertinência do controlo urbanístico municipal, simplesmente porque a responsabilidade do projectista é distinta da responsabilidade da câmara municipal.

Neste ponto, registemos uma evidência.

Se, por hipótese, o legislador considerasse o termo de responsabilidade suficiente para assegurar a observância das normas aplicáveis, a câmara não iria além do saneamento e apreciação liminar, e haveria, até, poucas ou nenhumas razões para diferenciar pedidos de licença e de comunicação prévia.

Como sabemos, não é isso que se passa.

Ao exigir o termo de responsabilidade do autor do projecto, o legislador não pretendeu dispensar nem limitar o exercício, pela câmara municipal, das suas atribuições em matéria de controlo urbanístico.

De outra forma não teria considerado necessário referir no RJUE, no seu artigo 24.º, n.º 1, alínea a), que a câmara municipal tem de indeferir o pedido de licenciamento quando este viole as “normas legais e regulamentares aplicáveis”, e que a comunicação prévia deve ser rejeitada quando se verifique que viola “as normas técnicas de construção em vigor” (cf. artigo 36.º, n.º 1).

Esta é uma competência vinculada (i.e., uma competência que tem de ser exercida nos termos previstos), que também está expressa no próprio DL 163/2006 (cf. artigo 3.º, n.º 1), obrigando, caso se verifique violação das normas técnicas de acessibilidade aplicáveis, ao indeferimento do pedido de licença ou à rejeição da comunicação prévia (o que já vimos neste texto).

Ora, como refere António Duarte de Almeida (citado por Folque, p. 154), “não é possível indeferir um pedido sem o apreciar, quaisquer que sejam os fundamentos do indeferimento (…) [e] uma vez que os tais fundamentos não são aferidos na fase de apreciação liminar, só o poderão ser ocorrendo apreciação dos projectos.”

O legislador pretendeu, portanto, assegurar a existência de uma fase de controlo urbanístico prévio por parte da câmara municipal.

Em sede de apreciação, os papéis e as responsabilidades não se confundem – ao projectista cabe cumprir as normas aplicáveis, e à câmara municipal cabe controlar o seu cumprimento.

De onde vem esta necessidade de controlo municipal?

Como explica André Folque (p. 246), “o direito a construir alcança a sua protecção constitucional por via do Artigo 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (…) mas esta liberdade é para ser exercida no espaço que a lei lhe reservar e em subordinação ao interesse geral (…).”

Uma vez que a actividade edificatória pode interferir com esse interesse, ela encontra-se relativamente proibida (…) [sendo que] só a comunicação prévia [ou] a licença permitem exercer o direito [a edificar] ou constitui-lo” (Folque, p. 157).

A “natureza jurídica da licença” é, portanto, a de “acto administrativo permissivo que se limita a remover um impedimento de ordem pública ao desenvolvimento de uma actividade e à concretização de um certo resultado” (Folque, p. 212).

O que se procura assegurar através dos procedimentos previstos no RJUE é que a “proibição” de edificar só será levantada pela câmara quando houver um grau suficiente de certeza de que esse acto não irá prejudicar o interesse público.

Como pode a câmara obter o grau suficiente de certeza de que falávamos acima?

Pode obtê-lo verificando o cumprimento de normas legais e regulamentares, porque o interesse público está vertido nas normas aplicáveis ao projecto, que relevam de instrumentos de ordenamento do território (planos municipais, etc.) e de disposições legais que têm por objectivo assegurar condições mínimas de salubridade, segurança e acessibilidade (por exemplo).

Genericamente, portanto, pode dizer-se que:

a) No controlo prévio, cabe à câmara verificar se estão reunidas as condições para levantar a “proibição” de edificar;

b) Cabe ao projectista elaborar um projecto que (primeiro) reúna essas condições, e que (depois) cumpra as normas em todas as restantes especificações.

Para ilustrar a preponderância desta preocupação com o interesse público, refira-se aqui a alteração do RJUE que passou a dispensar de qualquer controlo prévio “as obras de alteração no interior de edifícios ou suas fracções, à excepção dos imóveis classificados ou em vias de classificação, que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas e da forma dos telhados” (cf. artigo 6.º, n.º 1 alínea b) e n.º 3).

Importa ter presente este enquadramento, para poder discutir, adiante, o grau de detalhe com que o controlo municipal deve verificar o cumprimento das normas técnicas de acessibilidade.

Os “contornos” deste enquadramento são tornados claros por André Folque (p. 212):

«O facto de o controlo urbanístico municipal não ser exaustivo nem por isso exime o dono da obra (…) de observar as demais normas legais e regulamentares e respeitar os direitos de terceiros (…). Na verdade, e porque nem todas as normas legais e regulamentares podem constituir parâmetro para a apreciação dos projectos e para o deferimento das licenças de construção (…) é de concluir que o controlo urbanístico prévio sobre a generalidade das operações urbanísticas é circunscrito. (…)

No mais, os municípios não podem ter a seu cargo um dever de vigilância sobre o cumprimento das disposições legais e regulamentares próprias capaz de transpor para a sua esfera uma presunção de culpa
in vigilando análoga à do artigo 491.º do Código Civil para aqueles que tenham uma especial incumbência de vigiar pessoas naturalmente incapazes.»

Note-se, não obstante, o seguinte (Folque, p. 213):

«Diferente é a situação de o órgão municipal competente ter deixado de indeferir certo e determinado pedido, por se mostrar contrário a uma norma aplicável. Aqui, podem e devem ser-lhe imputados prejuízos a título de responsabilidade civil extracontratual por omissão, tratando-se de um poder tendencialmente vinculado (artigo 486.º do Código Civil), mas ainda assim sem embargo da concorrência de imputação do dano ao dono da obra e aos técnicos responsáveis, pois não se vê como possa a omissão interromper o nexo causal nem a imputação objectiva.»

Recapitulando.

Estamos perante diferentes atribuições. Uma, de projecto. Outra, de controlo. Esse controlo não tem por base uma “desconfiança” relativamente ao projectista, mas uma preocupação intrínseca da Administração Pública para com a salvaguarda do interesse público

Podemos pôr a questão nestes termos: errar é humano, e não há projectos perfeitos – por isso, a declaração do projectista, sendo essencial, não é garantia bastante para a salvaguarda do interesse público.

Não há razão para melindre.

Nem devem os arquitectos ver aqui nenhuma ‘menorização’ (passe a expressão) do seu ofício ou da sua responsabilidade profissional.

É o interesse público que justifica este controlo.

Não há duplicação de competências, e atenção: uma responsabilidade não substitui a outra e nem se pode, sequer, inferir que o controlo urbanístico municipal terá como consequência qualquer “partilha” de responsabilidade pelo incumprimento das normas aplicáveis.

A responsabilidade do autor do projecto de arquitectura encontra-se bem delimitada e, como vimos, é bastante ampla.

As fronteiras da responsabilidade da câmara municipal já não parecem tão amplas nem, à primeira vista, tão claras. Embora esteja obrigada, por definição, a indeferir os pedidos que não cumpram as normas regulamentares aplicáveis, a câmara não tem por vocação verificar exaustivamente o projecto (e, sabemo-lo também, não tem muitas vezes meios, o que não é despiciendo).

É o momento de passarmos à segunda pergunta.


2. Que grau de detalhe deve ter o controlo prévio municipal?

Acima referimos que o controlo municipal é circunscrito, i.e., não exaustivo.

Sendo manifestamente complexa e discutível, esta questão tem gerado bastante controvérsia no meio jurídico.

Outra linha de pensamento, que também vê a licença como acto administrativo permissivo, infere do seu carácter de acto jurídico-público que a entidade a quem tenha sido atribuída competência para a sua concessão deve verificar o cumprimento de todas as normas legais e regulamentares aplicáveis. Todas, com excepção, admite-se, das normas de direito privado (mesmo este ponto é muito discutido, sobretudo na Alemanha, segundo nos foi dito), ou de normas não abrangidas pela competência atribuída à entidade licenciadora.

Mesmo admitindo que esse controlo exaustivo seja, na realidade, impossível, uma coisa é a prática e outra o que a lei diz.

Prosseguiremos a reflexão com base na tese do controlo circunscrito, não deixando de alertar que este texto não é um parecer jurídico nem pretende substituir-se à reflexão por quem de direito.

Cabe então à câmara municipal, através do controlo prévio, verificar se estão reunidas as condições para levantar a “proibição” de levar a cabo a operação urbanística.

Com que grau de detalhe deverá ser feito este controlo?

Constatemos, à partida, que ele estará sempre relacionado com as normas aplicáveis, o tipo de operação urbanística e a medida em que esta pode ou não ferir o interesse público.

Junte-se a estas variáveis a margem de discricionariedade que a apreciação sempre comporta, e depressa se chega à conclusão que encontrar “limites” precisos para esta análise municipal seria um exercício difícil, porventura impossível.
Em vez de procurar definir um qualquer grau de detalhe “máximo” que o olhar da câmara não possa ultrapassar, o que aqui nos parece mais pertinente é encontrar o grau de detalhe mínimo que a verificação da câmara deve assegurar.

Reconhecendo, também aqui, a importância de algumas variáveis, não nos deixemos condicionar em excesso.

Há dois factores que desenham limites concretos: o tempo que é dado à câmara para se pronunciar e as peças que o requerente está obrigado a entregar para instruir o processo.

Os prazos para realização do controlo prévio estão definidos no RJUE, e aquilo que a câmara poderá fazer no seu decurso dependerá sempre, como é natural, dos meios de que dispõe. Note-se que a câmara deve dotar-se dos meios necessários à prossecução das suas atribuições (nomeadamente através das prioridades que define em orçamento). Sabemos que a realidade prática levanta dificuldades à concretização deste princípio, mas o princípio é este. Em todo o caso, não vamos aqui desenvolver esta questão.

Olhemos antes para as peças instrutórias que o requerente tem de entregar, que estão estipuladas na Portaria 232/2008.

No caso do licenciamento de obras de edificação, por exemplo, o que deve conter o projecto submetido à câmara? Vejamos (cf. artigo 11.º, n.º 3):

«O projecto de arquitectura (…) deve conter, no mínimo, os seguintes elementos:

a) Planta de implantação
[a 1:200 ou superior] (…);
b) Plantas
[a 1:50 ou 1:100] contendo as dimensões e áreas e usos de todos os compartimentos, bem como a representação do mobiliário fixo e equipamento sanitário;
c) Alçados
[a 1:50 ou 1:100] com a indicação das cores e dos materiais dos elementos que constituem as fachadas e a cobertura, bem como as construções adjacentes, quando existam;
d) Cortes longitudinais e transversais
[a 1:50 ou 1:100] abrangendo o terreno, com indicação do perfil existente e o proposto, bem como das cotas dos diversos pisos;
e) Pormenores de construção, à escala adequada, esclarecendo a solução construtiva adoptada para as paredes exteriores do edifício e sua articulação com a cobertura, vãos de iluminação/ventilação e de acesso, bem como o pavimento exterior envolvente;
f) Discriminação das partes do edifício correspondentes às várias fracções e partes comuns (…).»

Podemos encontrar aqui uma boa base para continuar a reflexão, porque a profundidade do “olhar” municipal estará sempre condicionada pelo detalhe dos elementos fornecidos pelo requerente.

E olhando para esta lista podemos vislumbrar o grau de detalhe pretendido pelo legislador para o controlo prévio municipal.

Nas escalas indicadas é possível verificar o cumprimento de diversas disposições regulamentares que relevam do interesse público, nomeadamente de preocupações com a inserção urbana e com condições mínimas de segurança e salubridade.

É verdade que esta lista é encabeçada pela expressão “no mínimo”, mas isso não acontece por acaso. Ao permitir-se à câmara pedir mais elementos, se estes forem comprovadamente necessários à apreciação do pedido, o legislador age, afinal, em coerência com os princípios que vimos acima. Afinal, pode haver situações que justifiquem uma verificação mais detalhada da câmara, e uma vez que essa verificação tem por intuito salvaguardar o interesse público, não poderia a portaria impor limites a uma atribuição fundamental. Por outras palavras, não poderia a portaria “impor” à câmara que, independentemente do caso, se “desenvencilhasse” com um conjunto restrito de elementos que não fossem suficientes.

Em todo o caso, constatemos algo elementar.

Sabendo que o controlo prévio da câmara tenderá a cingir-se à análise dos elementos prescritos pela portaria, isto pressupõe:

a) Por um lado, que as desconformidades detectáveis nestes elementos (elaborados às escalas referidas) são aquelas a que o “olhar” da câmara deve nesta fase dar prioridade;

b) Por outro lado, que a câmara deve indeferir (ou rejeitar) os projectos com desconformidades detectáveis nestes elementos.

Daí a precisão feita por André Folque (p. 213), citada acima: “Diferente é a situação de o órgão municipal competente ter deixado de indeferir certo e determinado pedido, por se mostrar contrário a uma norma aplicável.”

Ou seja, uma coisa são desconformidades em partes do projecto que não são exibidas à câmara, outra são as desconformidades constantes do pedido – e essas a câmara deve detectar.

Por outras palavras, a câmara deve verificar aquilo que for verificável nos elementos que lhe são entregues.

Este enquadramento vale para a verificação do cumprimento da generalidade das normas aplicáveis, e valeria também para a verificação do cumprimento das normas técnicas do DL 163/2006 – não fosse o diploma (e agora a portaria 232/2008) exigir a entrega de uma nova peça, o “plano de acessibilidades”.

É o momento de passarmos à terceira pergunta.


3. O DL 163/2006 veio introduzir alguma particularidade nesta relação?

A resposta é, portanto, sim.

Mas esta alteração deve ser vista com cuidado, pois ela é menos “radical” e mais útil do que à primeira vista pode parecer.

Vejamos primeiro o que diz o DL 163/2006, no seu artigo 3.º, n.º 5:

«Os pedidos (…) devem ser instruídos com um plano de acessibilidades que apresente a rede de espaços e equipamentos acessíveis bem como soluções de detalhe métrico, técnico e construtivo, esclarecendo as soluções adoptadas em matéria de acessibilidade (…) nos termos regulamentados na Portaria n.º 1110/2001 (…).»

A Portaria 1110/2001 não continha nenhuma especificação, pelo que esta exigência foi ineficaz até à publicação da Portaria 232/2008 (ver porquê aqui).

A nova portaria veio todavia adiantar pouco sobre a elaboração do plano de acessibilidades, uma vez que mais não faz do que reiterar a expressão que consta do DL 163/2006.

Abordaremos noutro texto (em breve) as características do plano de acessibilidades.

Debrucemo-nos, por enquanto, e na sequência da dúvida inicial, sobre o grau de detalhe mínimo que a verificação da câmara deve assegurar, em face agora desta exigência do DL 163/2006.

Notemos primeiro que o plano de acessibilidades não é um projecto de especialidades.

Trata-se de uma peça instrutória que tem um carácter essencialmente demonstrativo.

Qual é a sua razão de ser?

O cumprimento das normas de acessibilidade implica, a um tempo, uma visão integrada da edificação (para assegurar a existência de uma rede de espaços acessíveis contínua e coerente) e uma atenção a detalhes dificilmente representáveis às escalas preconizadas para o projecto de arquitectura (1:100 e 1:50).

A importância para a acessibilidade dessa visão integrada e desses detalhes é suficientemente grande para justificar uma atenção específica por parte da câmara – que, como vimos, está incumbida de salvaguardar o interesse público.

E é manifestamente o interesse público que aqui está em causa – desde logo, o imperativo de não discriminar as pessoas com mobilidade condicionada e de garantir a sua segurança.

Não quer isto dizer que os projectistas passaram a estar obrigados a entregar projectos totalmente desenvolvidos à escala 1:20 ou 1:10, nem que a câmara passou a ter de verificar todos os pormenores construtivos.

O uso da expressão “soluções de detalhe métrico, técnico e construtivo” não nos conduz, obrigatoriamente, a essa conclusão.

A descrição do plano com expressões que remetem para diferentes escalas de representação, como “rede de espaços” e “detalhe métrico”, mais a mais no mesmo documento que pede um projecto de arquitectura a 1:100 ou 1:50, deve, pelo contrário conduzir-nos a uma interpretação que, sem ser minimalista, nos parece mais coerente.

Se, como vimos acima, o controlo urbanístico da câmara municipal deve ser perspectivado a partir do interesse público a salvaguardar, forçosamente se tem de concluir que é nesta perspectiva que se deve definir qual a informação que o requerente terá de fornecer à câmara no plano de acessibilidades, e que a câmara terá de analisar.

Porque, afinal, é a apreciação das especificações contidas nessas peças que delimitará a responsabilidade da câmara, relativamente a esta fase de controlo prévio.

Assim, e à falta de especificações mais precisas relativamente à elaboração do plano de acessibilidades, pode (e deve) a câmara especificar que normas deseja ver cumpridas através desse plano.

E a câmara pode estabelecer essas “balizas” com o grau de latitude que lhe é conferido pela expressão do DL 163/2006 – desde que não exija menos do que o DL 163/2006 especifica, ou seja, terá de exigir sempre a representação da “rede de espaços e equipamentos acessíveis”, bem como um conjunto mínimo de detalhes que permitam verificar o cumprimento de normas que se considere essencial verificar na fase de controlo prévio.

Uma vez que o RJUE prevê mais do que um momento de controlo (vistorias, licença de utilização, etc.), e que o próprio DL 163/2006 veio, sem aligeirar os deveres da Administração Pública, abrir as portas ao papel fiscalizador da sociedade civil (cf., por exemplo, artigos 7.º e 14.º), pode a câmara estabelecer, como grau de detalhe para a sua análise, as normas cujo incumprimento possa:

a) Comprometer a rede de espaços acessíveis (definição dos espaços acessíveis e sua ligação por percurso acessível);
b) Vir mais tarde a obrigar a demolições ou outras correcções demasiado onerosas, que propiciem o recurso ao contencioso jurídico (por exemplo, configuração de escadas, ascensores, instalações sanitárias, etc.);
c) Gerar situações de perigo (elementos projectados, corrimãos nas rampas e escadas, faixas antiderrapantes nos degraus, etc.).

Mas esta é uma hipótese que desenvolveremos noutro texto.

Porque estivemos a falar de responsabilidade, não podemos concluir este texto sem sublinhar um aspecto que nos parece essencial: se for visto como ferramenta de controlo de qualidade, e não como mera peça burocrática, este plano de acessibilidades será útil para o requerente, para o projectista e para o técnico que aprecia o projecto.

Todos têm a ganhar: o controlo será mais sistemático, mais rápido, e prevenirá futuras correcções, com o que estas sempre comportam de custos.

A aprovação de uma desconformidade por parte da câmara na fase de controlo prévio não exclui (muito pelo contrário) a possibilidade de mais tarde vir a ser ordenada uma demolição, que poderá por sua vez levar ao pagamento de indemnizações. E aí, o problema terá boas hipóteses de “parar ao bolso” do projectista e do técnico municipal.

Mais vale, por isso, olhar para o plano de acessibilidades como um instrumento útil para todos.

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Bibliografia

FOLQUE, André (2007): “Curso de Direito da Urbanização e da Edificação”, Coimbra Editora, Coimbra.

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Agradecimentos: FPSM

PHG 21MAR08