sexta-feira, dezembro 09, 2011

HABITAÇÃO: Possível abrir excepções?


O DL 163/2006 define no artigo 10.º os critérios para decidir a abertura de excepções ao cumprimento das normas técnicas de acessibilidade.

Esses critérios aplicam-se aos edifícios habitacionais?


Não.

No caso dos edifícios de habitação não é possível – nem é necessário – recorrer aos critérios e aos procedimentos definidos no artigo 10.º para abrir excepções ao cumprimento das normas técnicas de acessibilidade.

Vejamos, primeiro, porque é que não é possível.

Refere-se no artigo 10.º, n.º 1:

“Nos casos referidos nos nºs 1 e 2 do artigo anterior, o cumprimento das normas técnicas de acessibilidade (…) não é exigível quando as obras necessárias à sua execução (…).”

Deve notar-se que a remissão é feita para os nºs 1 e 2 do artigo 9.º, onde se definem os prazos para adaptação das edificações já existentes à data da entrada em vigor do DL 163/2006.

Devemos forçosamente concluir, por isso, que os critérios de excepção enunciados no artigo 10.º se aplicam, apenas, às edificações para as quais o DL 163/2006 define um prazo para adaptação.

Nestes dois pontos do artigo 9.º é feita nova remissão, desta vez para os nºs 1 e 2 do artigo 2.º. Ora, os edifícios habitacionais são referidos no artigo 2.º, mas apenas no n.º 3.

Devemos também forçosamente concluir, por isso, que os critérios referidos acima não se aplicam aos edifícios habitacionais.

A lógica é evidente.

A exigência geral de adaptação das edificações que já existiam à data da entrada em vigor deste decreto aplica-se a um universo amplo e heterogéneo de espaços e edifícios consolidados, e ignorar condicionamentos de carácter construtivo, financeiro ou patrimonial poderia em várias situações tornar esta exigência de acessibilidade desproporcionada e, no limite, injusta.

Foi justamente para prevenir esse tipo de situações que o legislador enunciou os três critérios do artigo 10.º, n.º1.

Mas… esse risco não existe no caso dos edifícios habitacionais, porque como já vimos neste texto, o DL 163/2006 não exige a adaptação dos que já existiam à data da sua entrada em vigor.

Vejamos agora porque é que não é necessário.

Vamos por partes.

No caso dos edifícios que já existiam à data da entrada em vigor do DL 163/2006, como já vimos, não existe a obrigação de realizar obras de adaptação para eliminar desconformidades. Por isso, não precisam de nenhum tipo de excepção.

No caso dos edifícios que já existiam à data da entrada em vigor do DL 163/2006, e em que agora se pretende realizar obras de alteração ou de reconstrução, a regra que decorre do disposto no artigo 3.º, n.º 2 (e que já vimos neste texto) é mais simples e directa – não estão obrigados a melhorar, mas estão proibidos de piorar. Ora, para manter tudo (pelo menos) na mesma, também não é preciso nenhum tipo de excepção.

Deve aliás notar-se, neste caso, que o recurso à chamada “garantia do existente” (enunciada no artigo 3.º, n.º 2), dispensa todos os procedimentos inerentes à abertura de excepções, nomeadamente a fundamentação do pedido e da deliberação sobre o mesmo (cf. artigo 10.º, n.º 2), e a publicitação na Internet (cf. artigo 10.º, n.º 7).

No caso das obras de ampliação já não é possível recorrer a este princípio da garantia do existente (pelas razões já referidas neste texto), porque o que está em causa nesse tipo de obras é a criação de “coisa nova”, e não a protecção de “coisa existente”. E assim sendo, não se aplicam os critérios de excepção do artigo 10.º: eles servem para proteger o que já existia, e não o que se pretende edificar agora. No caso das obras de ampliação, haverá que cumprir na parte ampliada as normas de técnicas de acessibilidade que forem aplicáveis à parte ampliada.

Chegamos, por fim, às obras de construção (i.e., as que envolvem a criação de edificações integralmente novas). Também aqui não faz sentido a protecção de edificações existentes, e os critérios do artigo 10.º, n.º 1, apenas servem para esse efeito.

Deve notar-se, neste ponto, que é o próprio legislador que deixa bem claro que não se admitem excepções nas edificações novas. E deixa-o bem claro logo no preâmbulo do decreto, quando refere que o DL 163/2006 tem “o intuito de evitar a entrada de novas edificações não acessíveis no parque edificado português” e que visa “impedir (…) a construção de novas edificações que não cumpram os requisitos de acessibilidades” por ele estabelecidos.


PHG 8.DEZ.2011

HABITAÇÃO: Edifícios já existentes terão de ser adaptados?




É obrigatório adaptar os edifícios de habitação que já existiam à data da entrada em vigor do DL 163/2006?


Não.

O DL 163/2006 exige, de facto, a adaptação de várias edificações que já existiam à data da sua entrada em vigor, estabelecendo, no seu artigo 9.º, prazos para esse efeito.

Estes prazos, todavia, não se aplicam aos edifícios habitacionais. Vejamos porquê.

Nos dois números do Artigo 9.º em que são estabelecidos os prazos, a redacção é sensivelmente a mesma, e cito:

“1 – As instalações, edifícios, estabelecimentos (…) referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 2.º, cujo início de construção seja anterior a 22 de Agosto de 1997, são adaptados dentro de um prazo de 10 anos (…).”

“2 - As instalações, edifícios, estabelecimentos (…) referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 2.º, cujo início de construção seja posterior a 22 de Agosto de 1997, são adaptados dentro de um prazo de cinco anos (…).”

Em ambos os casos é feita uma remissão para o artigo 2.º, onde é definido o âmbito de aplicação do DL 163/2006. Essa remissão é feita para os números 1 e 2… e os edifícios habitacionais são indicados no número 3.

Por isso, os prazos definidos para adaptação dos edifícios já existentes à data da entrada em vigor do DL 163/2006 não se aplicam aos edifícios habitacionais.

E por não haver prazo para adaptação, a obrigação de adaptar não existe.

Não quer isto dizer que os edifícios de habitação que já existiam à data da entrada em vigor do DL 163/2006 não estejam abrangidos por este decreto.

Eles estão, claramente, abrangidos (quando no artigo 2.º, n.º 3, se referem os “edifícios habitacionais”, não é feita qualquer distinção entre os novos e os já existentes).

O que se passa, simplesmente, é que a exigência é diferente (e está no artigo 3.º, nºs 1 e 2). Estes edifícios não estão obrigados a eliminar as desconformidades com as normas técnicas de acessibilidade, mas quando realizarem obras (de alteração ou de reconstrução) não poderão criar novas desconformidades, nem agravar as desconformidades existentes. Por outras palavras, não estão obrigados a melhorar, mas estão proibidos de piorar.

Desta ausência de prazo para adaptar também não decorre, por fim, a possibilidade de impedir a realização de adaptações, nomeadamente nos espaços comuns. A esse propósito, sugere-se a leitura deste texto.


PHG 8DEZ2011

ÂMBITO: Regulamento Municipal pode ser mais exigente que o DL 163/2006?

O DL 163/2006 admite que as rampas tenham uma inclinação longitudinal de 8%. O Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (RMUE) de uma Câmara, todavia, é mais exigente, e não admite mais do que 6%.

Que exigência é obrigatório cumprir nesse Concelho?


A norma mais exigente – neste caso, os 6% do RMUE.

O DL 163/2066 refere, no seu artigo 2.º, n.º 4, que as suas normas se aplicam “sem prejuízo das [normas] contidas em regulamentação técnica específica mais exigente”.

Por outras palavras, sempre que houver normas mais exigentes em matéria de acessibilidade, serão essas a prevalecer, por determinação do próprio DL 163/2006 (não fica prejudicado, por isso, o princípio da hierarquia das fontes de direito).

Assim, o RMUE poderá sempre exigir mais, mas nunca poderá admitir menos.

Note-se que este princípio só se aplica quando e onde houver coincidência no aspecto sobre o qual ambas as norma dispõem.

Neste caso, essa coincidência existe – ambas as normas se referem à inclinação longitudinal das rampas. Mas se essa coincidência não existisse na sua totalidade (por exemplo, se a norma do RMUE fosse relativa apenas a rampas de escolas, e não a todas as rampas), então a norma do RMUE prevaleceria apenas no universo em que existe coincidência, i.e., nas rampas de escolas aplicava-se o disposto no RMUE, e nas restantes o disposto no DL 163/2006.


PHG 8DEZ2011

EXCEPÇÕES: Incumprimento de uma norma pode justificar incumprimento de outra?



Uma rua da nossa cidade tem uma inclinação longitudinal excessiva. Para além disso, também tem os passeios cheios de obstáculos (sinais de trânsito, pilaretes, etc.), que em vários pontos prejudicam a largura livre mínima exigida no DL 163/2006.

Não sendo possível reduzir a inclinação da rua, fará sentido estar a remover ou a reordenar os obstáculos?


Sim.

Faz sentido e é claramente obrigatório, nos termos do DL 163/2006.

A redução da inclinação longitudinal da via implicaria, obviamente, obras desproporcionadamente difíceis e onerosas, e por essa razão não é exigível (cf. artigo 10.º, n.º 1).

Não se pode, contudo, dizer o mesmo da remoção e reordenamento dos postes e sinais existentes no passeio. Essa obra em princípio será fácil, quer do ponto de vista construtivo, quer do ponto de vista do respectivo custo.

“Fará sentido” realiza-la?

Em rigor, só os peões que precisam de usar aquela rua sabem se faz ou não sentido. E provavelmente fará: para uma pessoa com mobilidade condicionada que tenha de vencer a inclinação excessiva da rua, os obstáculos serão uma dificuldade acrescida – tanto para a pessoa propriamente dita, como para terceiros que, eventualmente, a tenham de ajudar.

É por isso que a excepção ao cumprimento de uma norma não pode justificar, só por si, a excepção ao cumprimento de uma outra norma.

Este princípio está disposto no DL 163/2006, no artigo 10.º, n.º 5:

“Se a satisfação de alguma ou algumas das especificações contidas nas normas técnicas [de acessibilidade] for impraticável devem ser satisfeitas todas as restantes especificações.” (sublinhado nosso)

Por outras palavras, as excepções abrem-se norma a norma.


PHG 8DEZ2011

ÂMBITO: Quando contam os 150m2 do estabelecimento?



O projecto de construção de uma agência bancária prevê uma superfície de acesso ao público inferior a 150m2.

Essa agência estará abrangida pelo DL 163/2006?


Sim.

No âmbito de aplicação do DL 163/2006, especificamente no artigo 2.º, n.º 2, alínea h), são indicados os “bancos e respectivas caixas Multibanco”, não sendo feita qualquer referência à superfície de acesso ao público deste tipo de estabelecimento.

Forçosamente se depreende, portanto, que todos os bancos estão abrangidos (i.e., todas as agências), independentemente de a sua superfície de acesso ao público ter mais ou menos de 150m2.

No mesmo artigo 2.º, n.º 2, encontramos, de facto, referência a esta área, mas apenas nas alíneas q) e r).

Só nos casos previstos nessas duas alíneas, portanto, é que os 150m2 de superfície de acesso ao público são relevantes para determinar se o estabelecimento se encontra abrangido pelo DL 163/2006.

Todos os restantes estabelecimentos referidos no artigo 2.º, n.º 2, estão abrangidos, independentemente da área da sua superfície de acesso ao público.



PHG 8DEZ2011

segunda-feira, dezembro 05, 2011

HABITAÇÃO: Melhoria da Acessibilidade nos Espaços Comuns



Moro num 3º andar sem elevador, e não sou capaz de subir ou descer as escadas. A instalação de uma plataforma elevatória resolveria o problema. Estou disponível para assumir por inteiro as despesas com a instalação e funcionamento.


Pode o condomínio impedir a instalação?


Esta questão tem vindo a surgir de forma recorrente nos edifícios em propriedade horizontal, i.e., edifícios com mais de um proprietário, em que cada um tem, para além de fracções que lhe pertencem em exclusivo, partes comuns que partilha com os restantes proprietários.

Uma vez que o conceito de “partes comuns” engloba elementos construtivos de que não depende o acesso ao fogo (por exemplo, a cobertura…), centremo-nos aqui no subconjunto dos espaços comuns (átrios, patamares, corredores, escadas, ascensores, etc.).



O que diz o Código Civil

Nos termos do Código Civil, a realização de obras de alteração nesses espaços comuns carece de aprovação da maioria qualificada do condomínio, mesmo que o próprio condómino se disponha a suportar as despesas. É o que decorre do artigo 1425.º, n.º 1: "As obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio".

Devido a esta disposição, tem havido condomínios que não autorizam a realização dessas intervenções (colocação de rampa ou de corrimão, instalação de plataforma ou de cadeira elevatória de escada, etc.). Uns, por exemplo, porque acham que “…fica feio" e pode desvalorizar as casas, outros porque acham que as pessoas com deficiência “…devem é ficar em casa ou mudar-se para um lar”, outros até como forma de forçar inquilinos a terminar o contrato de arrendamento. A justificação não tem sido relevante… tem bastado o resultado da votação.

Em vários casos, infelizmente, a pretensão do morador com mobilidade condicionada tem “esbarrado” nesta oposição e não tem avançado mais. O que é lamentável, porque estão aqui em causa princípios e direitos fundamentais, protegidos pela Constituição da República Portuguesa (CRP).


O que diz a Constituição

O primeiro é o Princípio da Igualdade, que a CRP consagra no seu artigo 13.º, n.º 2: "Ninguém pode ser (...) privado de qualquer direito (...) em razão (...) da condição social".

Uma barreira à acessibilidade prejudica este princípio? Sem dúvida que sim, e este é, manifestamente, o entendimento do legislador, não só relativamente a este princípio Pode referir-se, por exemplo, que no preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 120/2006, de 21 de Setembro, que aprova o Plano de Acção para a Inclusão de Pessoas com Deficiência e Incapacidade, se reconhece “…a influência do meio ambiente como barreira ao desenvolvimento, funcionalidade e participação” (desenvolvimento e participação são direitos constitucionais), e se admite que as barreiras existentes no meio são “…potenciais factores de exclusão social” (que portanto ameaçam o Princípio da Igualdade).

Também se pode citar o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, que lembra que “…as pessoas com mobilidade condicionada (…) quotidianamente têm de confrontar-se com múltiplas barreiras impeditivas do exercício pleno dos seus direitos de cidadania” e que refere “…as desigualdades impostas pela existência de barreiras urbanísticas e arquitectónicas”.

Pode facilmente demonstrar-se, portanto, que uma barreira à acessibilidade nos espaços comuns de um edifício de habitação colectiva pode privar o morador do direito de usufruir desses espaços em condições de igualdade com os restantes moradores.

Para além do Princípio da Igualdade, essa barreira também põe em causa o Direito à Habitação, consagrado na CRP no artigo 65.º, n.º 1: "…todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene de conforto, e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar." Como é óbvio, a falta de acessibilidade nas partes comuns pode afectar as condições de conforto, intimidade e privacidade – ter de ser “carregado às costas” pela escada acima e pela escada abaixo não é muito confortável nem muito discreto...

E se o morador for uma pessoa idosa, deve citar-se ainda o que a CRP dispõe relativamente à Terceira Idade, no seu artigo 72.º, n.º 1: “As pessoas idosas têm direito (…) a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social.”


Discriminação?

A Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, só reforça este entendimento, porque classifica como prática discriminatória a “…recusa ou limitação de acesso ao meio edificado” e o “…impedimento da fruição de bens” (cf. art.º 4.º, alíneas a) e e)).

Ora, é um facto que a utilização das partes comuns do edifício em que se reside é imprescindível para o acto de habitar. E que a persistência de barreiras à acessibilidade impede a plena fruição do bem (Habitação) que o morador, como condómino (ou arrendatário, note-se) pagou e paga para usufruir.

A Lei 46/2006 vincula todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas (cf. art.º 2.º, n.º 1), o que inclui condomínios e senhorios. E define como discriminação indirecta “a que ocorre sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja susceptível de colocar pessoas com deficiência numa posição de desvantagem comparativamente com outras pessoas” (cf. art.º 3.º, alínea b)).

Nesse sentido, “não aprovar” a realização de inovações que melhorem as condições de acessibilidade é uma decisão que só aparentemente é “neutra”, porque prejudica os moradores que têm mobilidade condicionada, colocando-os numa situação de desvantagem comparativamente com os outros. E nessa medida, pode constituir uma prática discriminatória.


DL 163/2006

Ironicamente, já foi argumentado que é o próprio Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, que impede a realização destas melhorias, porque não define um prazo para a adaptação dos edifícios de habitação, ou porque não a regulamenta, ou porque as suas normas não admitem a instalação de cadeiras elevatórias. Nada mais errado, mas vejamos porquê.

Primeiro. O DL 163/2006 define as normas técnicas de acessibilidade aplicáveis aos edifícios habitacionais (entre outros). E estabelece prazos (cf. art.º 9.º, nºs 1 e 2) para adaptação das edificações existentes à data da sua entrada em vigor. Estes prazos para adaptação, de facto, não se aplicam aos edifícios habitacionais que já existiam naquela data. Mas daí resulta, apenas, uma coisa (não ser exigível a adaptação destes edifícios) e não outra (ser proibido realizá-la).

Segundo. Também não se pode argumentar que o DL 163/2006 não abrange estes edifícios e que por isso a eliminação de barreiras no seu interior carece de “regulamentação”. Desde logo, por três razões. Em primeiro lugar, porque estes edifícios estão abrangidos pelo DL 163/2006 (basta consultar o âmbito de aplicação do diploma, no artigo 2.º, n.º 3, onde se refere, “edifícios habitacionais”, sem distinguir entre novos ou já existentes). Em segundo lugar, porque o diploma estipula regras claras para os edifícios habitacionais já existentes – não têm um prazo para eliminar as desconformidades com as normas de acessibilidade, mas também não podem criar novas desconformidades nem agravar desconformidades já existentes, ou seja, por outras palavras, não estão obrigados a melhorar, mas também não podem piorar (cf. artigo 3.º, nºs 1 e 2). Em terceiro lugar, porque as normas técnicas de acessibilidade fornecem especificações para os espaços comuns dos edifícios de habitação – e com elas, até, uma referência concreta (se precisa fosse) relativamente às “melhores normas da arte de construir” a que faz referência o artigo 15.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

Terceiro. Também não é sustentável, por fim, defender que o DL 163/2006 não admite a instalação de cadeiras elevatórias porque estas não são referidas no Anexo daquele diploma, onde se definem as normas técnicas de acessibilidade. É verdade que, em matéria de meios mecânicos, e nomeadamente na Secção 3.2, que se debruça sobre os espaços comuns dos edifícios de habitação colectiva, estas normas só consideram as plataformas elevatórias e os ascensores. Mas isso significa, apenas, que em matéria de equipamentos de circulação vertical esses são os únicos meios aceitáveis para cumprimento das exigências do DL 163/2006. Se o que estiver em causa não for o cumprimento de uma exigência do DL 163/2006 (como é aqui, manifestamente, o caso), e se instalação de uma plataforma não for viável, então nada proíbe, em princípio, a instalação de uma cadeira elevatória. Até se deve referir, por curiosidade, que a largura livre de 1,00m exigida nestas normas para as escadas interiores dos novos fogos de habitação (cf. 3.3.5) só admitirá, na prática, a instalação posterior… de uma cadeira elevatória.

Portanto, e em síntese: o DL 163/2006 não obriga os proprietários a adaptar o edifício de habitação, mas isso não os impede de melhorar as condições de acessibilidade, e muito menos lhes permite impedir a realização desse tipo de melhorias se algum morador delas carecer.



O Direito à Propriedade Privada

Como se sabe, nenhuma disposição do Código Civil (ou de qualquer outro diploma) pode, por si só, pôr em causa a concretização de um princípio ou direito constitucional, nem pode, por maioria de razão, proteger práticas discriminatórias.

Também há que ter em conta, por outro lado, que a promoção da acessibilidade não deve ser feita à custa da prossecução de outros direitos igualmente relevantes. A melhor solução será a que melhor respeitar todos os direitos em causa, ou conseguir um equilíbrio razoável entre todos. Quer isto dizer que a promoção da acessibilidade não pode ser “atropelada” por outros direitos, mas também não os pode “atropelar”…

É preciso, por isso, ter o devido cuidado na interpretação e aplicação do disposto no artigo 1425.º do Código Civil. Até porque há outros direitos em causa.

Desde logo, o Direito à Propriedade Privada (CRP, artigo 62.º, n.º1).

Esse direito pressupõe, antes de mais, e naturalmente, o direito de pleno usufruto dessa propriedade (desde que na observação dos preceitos legais). No caso, o usufruto dos espaços comuns, que são uma parte integrante (mesmo que partilhada) dessa propriedade.

É por isso que, no mesmo artigo 1425.º do Código Civil, no seu n.º 2, se estabelece que "nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns." Por outras palavras, a inovação que for realizada para melhorar as condições de acessibilidade não pode objectivamente prejudicar a utilização das partes comuns por parte dos restantes condóminos.

Assim sendo, se estiver em causa, por exemplo, a instalação de uma plataforma ou de uma cadeira elevatória, esse meio mecânico não poderá impedir ou prejudicar, de forma permanente, o uso da escada pelos outros moradores. O que implica, designadamente, a análise de três aspectos, a saber: a limitação de passagem durante o funcionamento, o estreitamento da passagem devido às guias laterais, e o estreitamento da passagem devido ao estacionamento do equipamento (quando não estiver em uso).

O primeiro é o mais fácil de resolver: é difícil não aceitar a limitação da passagem durante o funcionamento do equipamento, i.e., quando este estiver a transportar um morador, porque essa restrição será pontual, e não seria em todo o caso menos gravosa se o morador estivesse a ser “carregado” escada acima ou abaixo por outras pessoas. Quanto ao segundo e ao terceiro aspectos, terá de haver uma análise caso a caso, sendo que, note-se, não está em causa saber se haverá estreitamento (em muitos casos ele será, na prática, inevitável), mas se esse estreitamento prejudicará de forma muito acentuada o uso da escada pelos restantes moradores, de tal forma que, in extremis, a instalação do meio mecânico dará ao morador um direito que retira a outros.

O direito à propriedade privada também pressupõe, por outro lado, um poder de decisão relativamente à realização de investimentos nessa propriedade, incluindo nas partes que são partilhadas.

Note-se que nos termos do próprio Código Civil, e logo no artigo 1426.º, esse poder não é “absoluto”. Refere o n.º 1 que “as despesas com as inovações [aprovadas por dois terços do condomínio] ficam a cargo dos condóminos”, e o n.º 2 que “os condóminos que não tenham aprovado a inovação são obrigados a concorrer para as respectivas despesas, salvo se a recusa for judicialmente havida como fundada”. Em que situações pode essa recusa ser fundada? Quando as obras tenham uma “natureza voluptuária” (é o que se diz das despesas consagradas a coisas de luxo e de fantasia) ou “não sejam proporcionadas à importância do edifício” (cf. CC, artigo 1426.º, n.º 3).



Compatibilizar Direitos – uma Hipótese

Como entender então, neste contexto, uma intervenção que procure melhorar as condições de acessibilidade nos espaços comuns? Vejamos.

A melhoria das condições de acessibilidade pode ser facilmente classificada como uma “inovação”, mas dificilmente como inovação de natureza “voluptuária” ou desproporcionada.

O que aqui está em causa, portanto, não é um gosto, luxo ou fantasia, mas um direito constitucional. E dificilmente haverá fundamento para recusar esse direito se forem eliminados os factores de conflito com outros direitos eventualmente em causa.

Como fazê-lo? Eis uma hipótese.

A inovação carece, como vimos, de autorização do condomínio, e essa necessidade de autorização decorre fundamentalmente das duas dimensões do direito à propriedade privada que vimos acima: o direito de usufruto, e o poder de decisão sobre o investimento em inovações.

Ora, se a dita melhoria salvaguardar o direito de usufruto (e como vimos acima, a correcta instalação de uma plataforma ou cadeira elevatória pode perfeitamente salvaguardá-lo), não há razão para esse direito impedir a concretização do direito constitucional à Habitação, que assiste ao morador.

Sobra, portanto, a questão do investimento, i.e., de não se poder obrigar o condomínio a realizar um investimento que não é desejado pela sua maioria qualificada. Também aqui não existe, em rigor, um obstáculo intransponível.

Porque se o morador se dispuser a assumir por inteiro os encargos com a realização da inovação (e no caso de uma plataforma elevatória também com o seu funcionamento e manutenção), então não estará a ser imposto ao condomínio um encargo.

E nem se estará, note-se bem, a impedir o posterior usufruto dessa inovação. Se a inovação em causa for, por exemplo, uma plataforma ou cadeira elevatória, os condóminos poderão perfeitamente utilizá-la no futuro… desde que assumam a sua quota-parte das despesas. É o que claramente resulta do artigo 1426.º, n.º 4, onde se refere que "o condómino cuja recusa [em comparticipar os custos] seja havida como fundada pode a todo o tempo participar nas vantagens da inovação, mediante o pagamento da quota correspondente às despesas de execução e manutenção da obra."

Se ao condómino é dada a possibilidade de assumir mais tarde despesas que tinha fundadamente recusado por serem voluptuosas ou desproporcionadas, também um dia será dada certamente a possibilidade de assumir despesas que não tenham sido aprovadas por falta de maioria qualificada. E quando esse condómino estiver confrontado com as limitações impostas pelo envelhecimento, dificilmente a plataforma elevatória lhe parecerá um luxo ou uma fantasia…

Razoável?

Ocorre citar aqui o artigo 2.º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (já ratificada pelo Estado Português, e portanto parte integrante do nosso Direito): adaptação razoável designa a modificação e ajustes necessários e apropriados que não imponham uma carga desproporcionada ou indevida, sempre que necessário num determinado caso, para garantir que as pessoas com incapacidades gozam ou exercem, em condições de igualdade com as demais, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais."



Em Conclusão…

Do que se disse resulta, em suma, o seguinte:

Se a plataforma ou cadeira elevatória…
…não constituir um risco para os restantes condóminos,
…não prejudicar o uso da escada ou de alguma fracção,
…não implicar nenhuma alteração à estrutura portante do edifício (vigas, lajes, pilares),
…e se, além disso, o condómino se dispuser a custear a sua instalação...



pode bem argumentar-se que o condomínio fica, na prática, sem argumentos para impedir o melhoramento.

Vale a pena consultar um advogado, que foi o que fez a família retratada nesta notícia do Público (18 de Maio de 2011):


“Tribunal obriga a instalar cadeira elevatória para idoso em prédio de Lisboa”.

A família em causa interpôs uma providência cautelar para que o condomínio (e o senhorio) não pudesse impedir a instalação de uma cadeira elevatória (note-se que neste caso o morador nem sequer era condómino, mas apenas inquilino). Em 28.2.2011 a sentença foi clara, e cito: “…os requerentes têm direito a protecção legal contra a discriminação perpetrada pelos requeridos (por acção do condomínio e omissão dos senhorios) que os impede de usufruir da sua própria casa.”


PHG, 3.DEZ.2011


(Nota: Publicado como modesto contributo para a comemoração do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Dedicado a uma filha de Lisboa, e a uma mãe de Braga.)

sábado, abril 02, 2011

As Ruas também são Nossas





A sessão de consulta pública "As Ruas também são Nossas" foi realizada para o Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa.




(o relatório pode ser descarregado aqui )




Participaram nesta sessão quase 200 munícipes com idade igual ou superior a 55 anos, a quem pedimos que partilhassem a sua experiência pessoal no uso de passeios, passadeiras e transportes públicos.




Os resultados dão-nos uma noção clara dos acidentes sofridos, e do medo e incómodo sentidos com frequência pelos participantes. Constata-se que, no seu estado actual, a rede de percursos pedonais não proporciona as devidas condições de segurança e conforto a grande parte dos lisboetas mais idosos.




Como é óbvio, este desajuste não se verifica apenas em Lisboa. Parece por isso importante sublinhar dois pontos.




Em primeiro lugar, que com o envelhecimento demográfico, este problema irá afectar um número cada vez maior de pessoas, e uma percentagem cada vez maior da população, ameaçando a sustentabilidade económica e social de muitas cidades portuguesas.




Em segundo lugar, que fica demonstrado de uma vez por todas (se ainda preciso fosse) que os problemas de acessibilidade não afectam apenas os utilizadores de cadeiras de rodas nem as pessoas com deficiência visual.




Esta sessão de consulta é mais um passo na elaboração do Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa, através do qual a Câmara Municipal de Lisboa está a definir medidas para dar resposta a muitas das questões chave apontadas pelos participantes, nalguns casos em articulação com outras entidades.




Feedback bem vindo ( nucleo.acessibilidade@cm-lisboa.pt ).