sexta-feira, março 30, 2007

Licenciamento: obras de Ampliação abrangidas?

A ampliação de um edifício existente tem de cumprir as normas de acessibilidade?


Por princípio, sim.

O DL 163/06 refere, no seu Art. 3.º, n.º 1: “As câmaras municipais indeferem o pedido de licença ou autorização necessária (…) a obras de (…) alteração, reconstrução, ampliação (…) de promoção privada (…) quando estes [pedidos] não cumpram os requisitos técnicos estabelecidos [neste DL]".

A seguir, no mesmo artigo, n.º 2: “A concessão de licença ou autorização para a realização de obras de alteração ou reconstrução das edificações referidas, já existentes à data da entrada em vigor [deste DL] não pode ser recusada com fundamento na desconformidade com as presentes normas técnicas de acessibilidade, desde que tais obras não originem ou agravem a desconformidade com estas normas”.

As obras de ampliação estão referidas no n.º 1, mas não no n.º 2.

Levantam-se, por isso, duas questões: as normas do DL 163/06 aplicam-se às obras de ampliação? E em caso afirmativo, aplicam-se a todo o edifício ou apenas a uma parte?


1. Ampliação tem de cumprir normas do DL 163/06?

O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, na sua redacção actual, doravante, DL 555/99) enuncia de forma distinta, no seu Art. 2.º, as definições para obras de ampliação, reconstrução e alteração.

Como vimos acima, também no DL 163/06 (que adopta as definições do DL 555/99, cfr. Art. 5.º) estas obras são referidas de forma distinta.

No seu Art. 3.º n.º 2, o DL 163/06 mais não faz do que reproduzir o Art. 60.º n.º 2 do DL 555/99, que consagra a garantia do existente, onde se refere:

“2 – A concessão de licença ou autorização para a realização de obras de reconstrução ou de alteração das edificações não pode ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária, desde que tais obras não originem ou agravem desconformidade com as normas em vigor, ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação.”

Também aqui não estão referidas as obras de ampliação, o que não acontece por acaso: no preâmbulo do DL 555/99 vemos que essa é uma intenção expressa do legislador, e citamos:

“(…) à realização de obras em construções já existentes não se aplicam as disposições legais e regulamentares que lhe sejam supervenientes, desde que tais obras não se configurem como obras de ampliação e não agravem a desconformidade com as normas em vigor.”

É claro que esta disposição não está isenta de polémicas, pois choca que não sejam admitidas algumas obras de ampliação e se aceite a aplicação deste princípio à reconstrução de edifícios que não passam de meras ruínas. Mas foi esta a opção do legislador.

Forçosamente concluímos, portanto, que as câmaras municipais terão de indeferir os pedidos de ampliação que não cumpram os requisitos do DL 163/06.

Note-se que, atendendo a outras disposições do DL 163/06, esta obrigação não se aplica:

-- No caso das áreas privativas dos edifícios habitacionais, aos pedidos apresentados na câmara municipal no ano subsequente à entrada em vigor do DL 163/06 (cfr. Art. 23.º n.º 1; noutro texto veremos o que significa essa expressão);

-- Onde se possam abrir excepções pelas razões e pela forma previstas no Art. 10.º

2. Normas aplicam-se a tudo ou apenas à parte ampliada?

Agora, sendo as normas aplicáveis ao pedido de ampliação, elas aplicar-se-ão:

a) Ao edifício em bloco, mesmo às partes que não serão intervencionadas nessa obra?
b) Apenas às partes que serão intervencionadas em obra, às acrescentadas e às que, já existindo, foram intervencionadas?
c) Apenas às partes acrescentadas, i.e., às que resultarão da ampliação?

A resposta é: depende.

Comecemos pela definição constante do DL 555/99 (cfr. Art. 2.º):

“d) Obras de ampliação: as obras de que resulte o aumento da área de pavimento ou de implantação, da cércea ou do volume de uma edificação existente.”

Sabemos, na prática, que neste tipo de obras as partes “acrescentadas” ao edifício terão de se ligar às partes já existentes, e que essa ligação implicará a execução de alterações nas partes já existentes, sejam estas espaços interiores ou exteriores.

Além disso, não é raro que a execução de obras de ampliação obrigue, ou constitua uma oportunidade para, a execução de obras de outro tipo, nomeadamente de alteração.

Vale a pena, neste ponto, citar o DL 555/99, que no seu Art. 9.º estabelece as regras a seguir no requerimento e instrução de pedidos:

“3 – Quando o pedido respeite a mais de um dos tipos de operações urbanísticas referidos no artigo 2.º [definições] directamente relacionadas, o requerimento deve identificar todas as operações nele abrangidas, aplicando-se neste caso a forma de procedimento correspondente ao tipo de operação mais complexa.”

E porque diferentes situações concretas podem, como se vê, exigir soluções diferenciadas que não estão expressamente na lei, aqui não devemos ir além dos princípios gerais.

Foquemos primeiro o DL 555/99 e depois o DL 163/06.

a) DL 555/99

No que ao DL 555/99 diz respeito, dir-se-ia que, de um ponto de vista estrito, se o legislador não quis incluir as obras de ampliação no princípio da garantia do existente, a edificação a ampliar tem de se sujeitar em bloco às novas normas, ou o pedido será indeferido. No entanto, há casos em que isso não é possível e a única alternativa seria uma nova construção. Ora, também não parece que a lei quisesse ir tão longe.

Em todo o caso, e em concreto, sabemos que em determinadas situações a entidade licenciadora terá de seguir a leitura mais estrita, e noutras não. O que se pode referir é que, quando a leitura estrita se justificar pelas características intrínsecas do pedido ou for imposta por outras disposições legais, o mesmo se deve passar com a aplicação do DL 163/06, i.e., a edificação deverá sujeitar-se em bloco às disposições deste decreto.

b) DL 163/06

Uma análise das normas técnicas introduz a questão do percurso acessível. No ponto 2.1.4, por exemplo, há uma referência explícita às obras de ampliação:

“2.1.4 – No caso de edifícios sujeitos a obras de ampliação (…) o percurso acessível pode não coincidir integralmente com o percurso dos restantes utilizadores, nomeadamente o acesso ao edifício pode fazer-se por um local alternativo à entrada/saída principal.”

Em suma, da leitura conjugada dos pontos 2.1.1, 2.1.2 e 2.1.4 das normas técnicas e do n.º 1 do Art. 3.º resulta o seguinte:

a) As normas de acessibilidade aplicam-se às obras de ampliação, pelo menos aos espaços resultantes da ampliação;
b) Estes espaços devem ter acesso pelo percurso acessível (o que pode implicar, se necessário, a execução de alterações ao edificado existente para o assegurar);
c) Esse percurso pode não coincidir integralmente com o principal, e pode iniciar-se num local alternativo à entrada/saída principal do lote (devendo, nesse caso, oferecer condições equivalentes, mas essa é outra questão).


Em conclusão, o bom senso

Estas exigências são exageradas e pouco razoáveis?

Não.

Neste como noutros casos, é sempre contraproducente generalizar a pergunta. Tem de se restringir tanto quanto possível o âmbito de análise, e lembrar que o DL 163/06 tem um mecanismo próprio para prevenir exigências exageradas e pouco razoáveis: o regime de excepções estabelecido no Art. 10.º, onde se definem os critérios e o procedimento para as solicitar, fundamentar e conceder, norma a norma.

PHG 30MAR2007

4 comentários:

Anónimo disse...

Concordo com tudo o que foi dito, no entanto, devo salientar que a Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, no artigo 60º alinea 2 diz que " A licença ou admissão de comunicação prévia de obras de recontrução ou alteração das edificações não pode ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária,...".
Desta forma entende-se que ás obras de ampliação (obras de alteração ao edificio originário)não é aplicavél a legislação posterior à licença de construção originário, anulando a aplicabilidade do 163/2004 se a construção originaria for anterior á publicação do referido D.L.

Pedro Homem de Gouveia disse...

Caro colega,

Compreendo o seu ponto de vista, mas devo dizer que ele não tem qualquer sustentação legal.

É verdade que, em linguagem corrente, uma obra de ampliação "altera" um edifício, mas à luz do RJUE (DL 555/99, versão dada pela Lei 60/2007) e do DL 163/2006 isso não acontece.

Porquê?

Porque temos de ler o que está no artigo 60.º do RJUE e no n.º 2 do artigo 3.º do DL 163/2006 com base nas definições contidas nesses diplomas.

Ora, basta consultar o artigo 2.º do RJUE para concluir de imediato que, para os efeitos legais previstos nesses diplomas, obra de ampliação e obra de alteração são coisas distintas - uma obra de ampliação não "altera", ela "amplia".

Aliás, como se refere no texto que comentou, o próprio legislador faz essa distinção no preâmbulo do DL 555/99, quando aborda o princípio da garantia do existente (plasmado no referido artigo 60.º do RJUE).

Anónimo disse...

Este decreto, tal como a restante legislação de urbanismo, omite uma realidade presente em todo território nacional que coloca os técnicos dos municípios em situações de dificil aplicabilidade da lei. Saliento o caso de construções que até já foram licenciadas, entretantanto alvo de alterações, pequenas adaptações e ampliações naturais pelo tipo de vivencia na habitação que se tem vindo a alterar ao longo dos anos, e pretendem "legalizar" a situação no intuito de possuir a respectiva autorização de utilização. Muitas apresentam declarações das Juntas de Freguesia a comprovar que essas obras foram efectuadas antes da entrada em vigor da legislação actual. Como proceder nestes casos verificando a impossibilidade de criar condições de acessibilidade nas partes ampliadas?

João T. disse...

Caro arquitecto, Como proceder no caso de pedir um PIP a uma Camara municipal (Loule), para recuperacao de uma ruina registada de 50m2, num terreno misto de 7000m2 ? A ruina esta registada nas financas, registo civil, tem documento de dispensa de utilizacao passado pela Camara, onde inclusive atesta que a ruina foi construida em 1908. No entanto, a ruina esta completamente devoluta, nao tem telhado e tem apenas 2 paredes em pedra.
Num PIP de 2012 para reconstrucao e ampliacao, foi indeferido, alegando a Camara que ja nao consegue medir a volumetria da mesma, portanto ja nao sera recuperavel.

Como proceder? A Camara sera obrigada a deferir um PIP em que eu somente pretenda recuperar os 50m2 registados? Portanto, sem ampliacao?