O novo decreto exige nos edifícios de habitação colectiva um lugar de estacionamento a mais só para deficientes. Tem de se cumprir, mesmo que não haja deficientes a residir naquele prédio? E depois só lá podem estacionar deficientes, os condóminos não? Quem vai fiscalizar?
Temos uma interpretação diferente. Consideramos que se pretende outra coisa.
Referem as normas do DL 163/06, no seu ponto 3.2.6:
“Em espaços de estacionamento reservados ao uso habitacional, devem ser satisfeitas as seguintes condições:
1) O número de lugares reservados para veículos de pessoa com mobilidade condicionada pode não satisfazer o especificado no n.º 2.8.1, desde que não seja inferior a: um lugar em espaços de estacionamento com lotação inferior a 50 lugares; dois lugares em espaços de estacionamento com uma lotação compreendida entre 51 e 200 lugares; um lugar por cada 100 lugares em espaços de estacionamento com uma lotação superior a 200 lugares;
2) Podem não existir lugares de estacionamento reservados para pessoas com mobilidade condicionada em espaços de estacionamento com uma lotação inferior a 13 lugares;
3) Os lugares reservados para pessoas com mobilidade condicionada devem constituir um lugar supletivo a localizar no espaço comum do edifício.”
Vale a pena analisar as diversas questões, uma a uma.
Espaços comuns
Sendo feita, no início do ponto 3.2.6, uma referência algo genérica a espaços de estacionamento “reservados ao uso habitacional”, convém especificar que (atendendo ao título da Secção 3.2) as regras estabelecidas nesse ponto 3.2.6 dizem respeito apenas aos espaços de estacionamento localizados nos espaços comuns dos edifícios de habitação.
Por outras palavras, esta regra não diz respeito a espaços de estacionamento localizados na via pública.
Note-se que a única razão pela qual se faz referência ao ponto 2.8.1 é para especificar que, nos espaços comuns de edifícios de habitação, se estabelece uma forma de cálculo de lugares de estacionamento acessíveis bem menos exigente.
Lugar Supletivo
Segundo o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (Editora Michaelis), “supletivo” é algo “que serve de suplemento”. Suplemento, por sua vez, é “a parte que se junta a um todo para o ampliar ou aperfeiçoar; aquilo que serve para suprir qualquer falta; complemento”.
O lugar de estacionamento supletivo será, portanto, um lugar a criar para além dos espaços afectos ao uso dos moradores, cujo número será determinado, em princípio, pelas regras aplicáveis ao projecto em causa (por via do loteamento aprovado ou de regulamentos ou planos municipais de ordenamento em vigor).
Se da aplicação dessas regras resultar um número de base superior a 50 lugares, haverá que assegurar-se a existência de dois ou mais lugares supletivos.
Segundo pudemos apurar, esta regra terá sido introduzida para harmonizar o DL 163/06 com o disposto na proposta de revisão do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).
Esta nova versão do RGEU, que ainda não foi aprovada (nem se sabe, em rigor, se e quando o virá a ser), prevê a exigência de um lugar supletivo em edifícios de habitação colectiva com mais de 12 lugares de estacionamento.
Lugar adicional & acessível
Pretende-se, portanto, que para além dos espaços de estacionamento calculados em função das habitações, exista (pelo menos) um espaço adicional reservado para veículos de pessoas com mobilidade condicionada.
Esse lugar de estacionamento terá de cumprir na íntegra as normas estabelecidas na Secção 2.8 que forem aplicáveis.
Esta exigência vem na linha das outras normas relativas aos edifícios de habitação, que de um modo geral têm como objectivo assegurar:
…a acessibilidade aos espaços comuns, para permitir a utilização do edifício por pessoas com mobilidade condicionada, sejam visitantes ou moradores, na sua situação presente ou futura;
…a adaptabilidade da habitação, para quem em caso de necessidade (presente ou futura) o morador possa adaptar o fogo às suas necessidades sem grandes complexidades técnicas ou custos financeiros.
O lugar de estacionamento acessível será aquele que não está, em projecto, afecto ao uso exclusivo de um condómino específico. A regra geral tem de ser esta devido às diferentes formas de constituição da propriedade horizontal.
Em alguns edifícios os lugares de estacionamento não constituem fracções autónomas, sendo parte integrante das fracções de habitação. Noutros edifícios, os lugares de estacionamento são fracções autónomas, comercializadas separadamente.
Nestes dois casos, se o lugar acessível ficasse associado a um proprietário individual, só este o poderia utilizar, mesmo que não tivesse a sua mobilidade condicionada, e não teria de ceder esse lugar (talvez nem pudesse fazê-lo) a outro condómino que eventualmente precisasse dele.
A opção do legislador assegura que o espaço de estacionamento acessível pertence a todos os condóminos, e que portanto poderá ser utilizado de acordo com regras estabelecidas pelo condomínio.
Quem pode estacionar no lugar?
Nos termos do Código da Estrada (D.L. 265-A/2001, de 28 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto), nomeadamente do seu Artigo 71.º, n.º 1, alínea c), em parques e zonas de estacionamento é proibido estacionar “veículos de categorias diferentes” daquelas a que um lugar “tenha sido exclusivamente afecto”.
Não nos parece que esta “afectação exclusiva” corresponda, rigorosamente, à “reserva” do espaço preconizada pelo DL 163/06.
Pretenderia o legislador assegurar a existência, em cada edifício de habitação colectiva com mais de 12 lugares de estacionamento, de pelo menos um lugar de estacionamento para uso exclusivo de pessoas com deficiência? Estaria o Estado disposto a fiscalizar a utilização desse lugar?
Salvo melhor opinião, não nos parece ser essa a intenção do legislador.
Aliás, este “desencontro” de intenções é acentuado pela descrição das pessoas com direito a esse lugar.
Consultemos o D.L. 307/2003, de 10 de Dezembro, que aprova o cartão de estacionamento para pessoas com deficiência condicionadas na sua mobilidade. É a posse desse cartão que permite o estacionamento nos locais reservados para o efeito mediante a respectiva sinalização (cfr. Art.º 10.º).
Nos termos deste decreto, o referido cartão pode ser utilizado por pessoas com deficiência motora (especificamente, “toda aquela que, por motivo de lesão, deformidade ou enfermidade, congénita ou adquirida, seja portadora de deficiência motora, ao nível dos membros superiores ou inferiores, de carácter permanente, de grau igual ou superior a 60%”).
Esta caracterização abrange um universo mais restrito do que o conceito de pessoa com mobilidade condicionada, que no preâmbulo do DL 163/06 inclui também as pessoas “que, em virtude do seu percurso de vida, se apresentam transitoriamente condicionadas, como as grávidas, as crianças e os idosos.”
Parece-nos mais coerente com o espírito do DL 163/06 uma outra interpretação.
É incontroverso que o DL 163/06 exige, nos edifícios com mais de 12 lugares, a existência de um lugar adicional (supletivo).
É também incontroverso que esse lugar (pelo menos esse) tem de ser acessível.
Encontrando-se esse lugar localizado nas partes comuns do edifício, e sendo portanto propriedade do condomínio, competirá ao condomínio estabelecer as regras para uso desse lugar. Essas regras deverão dar preferência ao uso do lugar por veículos que transportem pessoas com a mobilidade condicionada.
PHG 15JUN2007
Agradecimentos: João Branco Pedro
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Pode num condomínio alguém ( possuidor de deficiência) utilizar esse lugar a 100% como se fosse um lugar só seu ? Apesar de possuir outros lugares que pertencem a sua habitação.
Tenho um lugar a porta de casa reservado por ser deficiente,mas neste momento meu carro está na oficina e os vizinhos estão a por lá os carros deles...Podem fazer isso?
Enviar um comentário