quinta-feira, janeiro 21, 2010

Texto Legível


Define-se como “legível” um texto “que pode ler-se, escrito em caracteres nítidos, bem visíveis e distintos”. *

A legibilidade de um texto, como é natural, é indispensável para aceder ao seu conteúdo, e para tirar partido desse conteúdo.

A legibilidade é, portanto, uma questão de acessibilidade.

Ora, imaginemos, por exemplo, um texto que está…
…num folheto que explica como recorrer a um serviço municipal;
…numa placa que indica o horário de funcionamento de um estabelecimento;
…numa peça de um sistema de sinalização, que ajuda o visitante a encontrar o caminho.

Se o arranjo gráfico desse texto impedir ou limitar a sua leitura por parte dos utilizadores, poderemos estar perante uma prática discriminatória, porque a falta de legibilidade prejudica a igualdade de oportunidades no acesso e usufruto dos conteúdos.

Por isso, para além de ser um critério de qualidade, a legibilidade pode ser uma exigência legal.


É mesmo importante?

Em termos genéricos, pode dizer-se que uma pessoa tem deficiência visual quando os óculos não compensam a perda de visão que tem.

Quer isto dizer que uma larga maioria da população com deficiência visual consegue ver – em menor grau, certamente, mas alguma coisa vê. Algumas pessoas usam apenas parte do seu campo visual – é o caso, por exemplo, de quem teve cataratas ou tem degeneração da mácula, visão de túnel ou retinopatia. Outras pessoas conseguem usar o campo visual em toda a sua amplitude, mas têm extrema dificuldade em perceber os contornos em imagens ou objectos – caso, por exemplo, de quem tem ambliopia (veja como, em imagens neste outro texto).

Para esta vasta população, é muito importante a legibilidade dos textos – tanto dos textos usados em sistemas de sinalização, como dos textos inseridos em publicações ou sítios da Internet.


Que normas legais?

Entende-se que a exigência de legibilidade decorre, em termos gerais, da Lei 46/2006, que proíbe e pune a discriminação.

Esta lei…

…define como discriminação indirecta a que ocorre sempre que uma “prática aparentemente neutra seja susceptível de colocar pessoas com deficiência numa posição de desvantagem comparativamente com outras pessoas” (cf. art.º 3.º, al. b);

…classifica como prática discriminatória a “limitação de acesso” ao meio edificado, a locais públicos ou abertos ao público (cf. art.º 4.º, al. e), aos transportes públicos (art.º 4.º, al. f), bem como “a adopção de prática ou medida” por parte de qualquer entidade do Estado que “condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito”.

As normas técnicas de acessibilidade definidas no DL 163/2006 incidem sobre a legibilidade dos textos usados em sistemas de sinalização.

Refere-se no ponto 4.14.5:

“Para assegurar a legibilidade a sinalização deve possuir as seguintes características:
1) Estar localizada de modo a ser facilmente vista, lida e entendida por um utente de pé ou sentado;
2) Ter uma superfície anti-reflexo;
3) Possuir caracteres e símbolos com cores que contrastem com o fundo;
4) Conter caracteres
[números, letras] ou símbolos que proporcionem o adequado entendimento da mensagem”.

O “adequado entendimento da mensagem” remete para a legibilidade, mas não só (pode implicar, por exemplo, a necessidade de os sistemas de sinalização recorrerem, também, a pictogramas).

No ponto 4.14.6, define-se ainda, (mas apenas para a identificação do número do piso), o uso obrigatório de numeração arábica (i.e., em vez de numeração romana ou números por extenso, em texto) e a altura e o tipo dos caracteres (altura mínima de 6cm, tipo negrito).

Noutros países vigoram normas bastante mais detalhadas e prescritivas. As normas do DL 163/2006 dão, comparativamente, bastante “margem de manobra” ao designer gráfico – mas essa margem deve ter como contrapartida uma garantia de eficácia, ou seja, as soluções adoptadas do ponto de vista do arranjo gráfico devem ser assegurar a legibilidade para a população com visão reduzida.

Não sendo fornecidas especificações mais detalhadas, deve presumir-se que a eficácia é a condição que melhor concretiza o espírito da lei e a exigência das normas.

Esta eficácia, note-se, pode ser testada.

E se atendermos ao que está objectivamente em causa – a possibilidade de leitura para pessoas que têm determinado tipo de limitações – verificamos que há estudos científicos que nos fornecem orientações concretas.

Há bastante material disponível.

As recomendações seguintes foram redigidas com base nalguns textos de referência a este respeito, nomeadamente “Making Text Legible: Designing for People with Partial Sight”, de Aries Arditi, Ph.D. (para aceder à versão original basta clicar aqui).


Recomendações Gerais para a Legibilidade

A visão reduzida dificulta frequentemente a leitura ao…
…reduzir a quantidade de luz que entra no olho;
…retirar nitidez à imagem projectada na retina;
…danificar a parte central da retina (mácula), mais apropriada para a leitura.

A redução da luz e a perda de nitidez reduzem o contraste do texto, enquanto que o dano na parte central da retina prejudica a capacidade de ver pequenos caracteres bem como de fazer os movimentos oculares que são cruciais para a leitura.

Eis algumas linhas de orientação que tornam os textos mais legíveis para quase todas as pessoas, e que os designers gráficos podem seguir para ajudar a compensar a dificuldade dos leitores com visão reduzida.


1. Contraste

O texto deve ser impresso com o maior contraste possível – em especial, contraste claro-escuro (ler mais sobre contraste cromático neste outro texto).

Sabe-se ainda que para muitos leitores idosos ou com visão reduzida, os caracteres claros (em branco ou amarelo claro) sobre fundo escuro (preto) são mais legíveis do que os caracteres escuros sobre fundo claro.

Fig. 1 – Contraste
(tradução: “Effective” = eficaz;
“Not as effective” = não tão eficaz)


2. Cor dos caracteres

O contraste é um factor essencial a ter em conta na escolha da cor dos caracteres.

O material impresso (livros, folhetos, etc.) é geralmente mais legível a preto e branco. É difícil conseguir contrastes muito elevados com outras combinações de cor.

O recurso a outras cores pode, naturalmente, ser importante por motivos estéticos (ou outros), mas é melhor usar essas combinações apenas para textos maiores ou destacados.

Fig. 2 – Cor dos caracteres e do fundo
(tradução: “Effective” = eficaz;
“Not as effective” = não tão eficaz)

3. Tamanho dos caracteres

Em material impresso que vai ser manuseado (livros, folhetos, etc.) os caracteres devem, preferivelmente, ter pelo menos 16 a 18 pontos. Há que ter em consideração, ainda assim, que a relação entre legibilidade e tamanho varia com a fonte e o seu estilo (itálico, negrito, etc.).

(NOTA: “fonte” é o sortimento completo de tipos de um tamanho e estilo, o conjunto de sinais, letras e espaços do mesmo carácter e corpo – aquilo que no programa Word é designado como “tipo de letra”: arial, times new roman, verdana, etc.).

Fig. 3 – Tamanho dos caracteres
(tradução: “This type size is effective” = Este tamanho de tipo é eficaz;
“This type size is not as effective” = Este tamanho de tipo não é tão eficaz)

Em sistemas de sinalização, por seu lado, o tamanho dos caracteres deve ser definido tendo em conta a distância a que o texto vai ser lido. Quanto maior essa distância, maior deverá ser a dimensão dos caracteres.
Fig. 4 – Relação entre distância ao texto e tamanho dos caracteres
(fonte: Louis-Pierre Grosbois)

Note-se que isto é importante para as pessoas com visão reduzida, mas não só.

É importante, primeiro, para qualquer utilizador de um sistema de orientação e navegação no espaço (wayfinding), porque o tamanho dos caracteres vai facilitar-lhe o avistamento das indicações e a sua leitura à distância, permitindo-lhe tomar decisões mais cedo.

Fig. 5 – A leitura a partir de baixo levanta dificuldades

É importante, em segundo lugar, porque facilitará a leitura a todos aqueles que, por serem de baixa estatura ou usarem cadeira de rodas, têm à partida um ponto de vista desfavorável, mais baixo (e mais distante), e não se podem aproximar do texto.

4. Espaçamento entre linhas (leading)

O espaçamento entre linhas de texto deve ter, pelo menos, 25% a 30% do tamanho (em pontos) dos caracteres. Isto porque muitas pessoas com visão parcial, quando lêem, têm dificuldade em encontrar o início da linha seguinte.

Fig. 6 – Espaçamento entre linhas
(tradução: “Effective leading” = Espaçamento entre linhas eficaz;
“Not effective leading” = Espaçamento entre linhas ineficaz)


5. Tipo de Fonte

Devem evitar-se fontes complicadas, decorativas ou cursivas (letras consecutivas ligadas entre si). Quando for indispensável usar esse tipo de fonte, ela devem ser reservada para dar ênfase a partes do texto, e não para todo o texto.

Fig. 7 – Família da fonte
(tradução: “Roman typefaces are effective” = os estilos romanos são eficazes;
“Decorative typefaces are not as effective” = os estilos decorativos não são tão eficazes;
“Sans-serif typefaces are effective” = os estilos não serifados são eficazes;
“Condensed typefaces are not as effective” = os estilos condensados não são tão eficazes)


Fig. 8 – Fonte cursiva “Zapfino”

As letras serifadas standard ou não serifadas, com caracteres familiares e facilmente reconhecíveis, são melhores. Sabe-se, além disso, que quando o tamanho dos caracteres é reduzido, os caracteres não serifados são mais legíveis.

Fig. 9a – Caracteres serifados

Fig. 9b – Caracteres não serifados

(NOTA: “serifa” é o pequeno traço ou espessamento que remata, de um ou de ambos os lados, os terminais das letras. Serifado diz-se da letra que apresenta serifa. Exemplo: times new roman é serifada, arial não é serifada).


6. Estilo da Fonte

Há poucos dados fiáveis quanto à comparação da legibilidade entre diferentes estilos. Existem, todavia, algumas provas de que um estilo romano, usando maiúsculas e minúsculas, é mais legível do que um estilo itálico, oblíquo ou condensado.

Fig. 10 – Estilo da fonte
(tradução: “Upper and lower case type is effective” = combinação de
tipo maiúsculo e minusculo é eficaz;
“Italic type is not as effective” = tipo itálico não é tão eficaz)



7. Espaçamento entre caracteres

O texto com pouco espaçamento entre letras coloca frequentemente dificuldades aos leitores com visão parcial, especialmente aos que têm defeitos no centro do campo visual (mácula).

Fig. 11 – Espaçamento entre letras
(tradução: “This letter spacing is effective” = este espaçamento entre letras é eficaz;
“This letter spacing is not as effective” = este espaçamento entre letras não é tão eficaz)


A definição da fonte inclui não apenas a configuração dos caracteres, mas também a dimensão e o tipo de espaçamento entre caracteres. Nalgumas fontes, o espaçamento é proporcional aos caracteres; noutras fontes, é homogéneo (ou seja, é sempre o mesmo, independentemente dos caracteres).

Fig. 12 – Espaçamento proporcional ou homogéneo


Neste ponto, sabe-se que os espaçamentos homogéneos parecem ser mais legíveis do que os espaçamentos proporcionais.


8. Acabamento da Superfície

A existência de brilhos e reflexos na superfície em que o texto está montado colocam dificuldades a muitas pessoas idosas ou com visão reduzida, e reduzem a legibilidade.

Nos materiais impressos, deve evitar-se o papel brilhante ou lustroso (tipo couché).

Fig. 13 – Reflexos em revista


Em sistemas de sinalização, e nos textos afixados em vitrinas, devem evitar-se superfícies polidas no suporte e nos caracteres.

Fig. 14 – Reflexo em vitrina

Quando for indispensável proteger o texto com uma vitrina, deve optar-se por vidros anti-reflexo e iluminação indirecta.


Folhetos, livros, etc.

Vejamos agora algumas recomendações aplicáveis, especificamente, a materiais impressos que poderão ser manuseados (folhetos, livros, revistas, etc.).


9. Margens

A eficácia dos equipamentos que ajudam as pessoas com visão reduzida a ler, como ampliadores ópticos e ampliadores vídeo, aumenta bastante quando o texto se apresenta numa superfície plana. As margens extra-largas junto à lombada são especialmente úteis, porque permitem abrir o volume e planificar o texto com maior facilidade. A lombada em espiral também pode ser útil.

Fig. 15 – Margens
(tradução: “Effective” = eficaz;
“Not as effective” = não tão eficaz)

Fig. 16 – Ampliador vídeo

10. Distinção entre peças

A visão reduzida torna frequentemente difícil encontrar um livro ou outro documento que esteja misturado com publicações similares, especialmente quando se trata de conjuntos de volumes que diferem apenas no título ou no número. O uso de cores, tamanhos e formatos distintivos nas capas pode ajudar as pessoas mais idosas e as que têm visão reduzida.

Fig. 17 – Distinção entre peças



Caracteres tácteis

Os caracteres tácteis são usados, sobretudo, para designar locais fixos (número de sala, divisão por sexos das instalações sanitárias, etc.). Como o nome indica, devem poder ser lidos pela visão e pelo tacto.

Vale a pena referir que boa parte da população com deficiência visual não consegue ler os caracteres Braille – em muitos casos, simplesmente porque não aprendeu (o que acontece frequentemente a quem perdeu a visão após os 20 anos de idade). Assim sendo, embora o Braille seja indispensável para muitas pessoas, o seu uso não esgota as necessidades dos leitores com visão reduzida.

A legislação norte-americana é bastante exigente e detalhada relativamente aos caracteres tácteis a usar em sinalização. O Title 24 (aplicável ao Estado da Califórnia) estabelece parâmetros específicos para as proporções: a largura deve corresponder a 60% a 100% da altura da letra ou número, e a espessura do traço deve estar entre 10% a 20% da altura.

Fig. 18 – Proporções para caracteres tácteis

PHG 21JAN2010
**********

Créditos e Referências:

Fig. 1, 2, 3, 6, 7, 10, 11, 15 e 17 – Copyright © 2009 Lighthouse International Inc., all rights reserved.
Fig. 4 – Copyright Louis-Pierre Grosbois
Fig. 8, 9 e 12 – na Wikipedia

Texto de Aries Arditi – Copyright © 2005 Lighthouse International Inc, all rights reserved.

* Definição de “legível” in “Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa”

Agradecimentos:
Peter Colwell

7 comentários:

Pedro Homem de Gouveia disse...

Este texto pretende ser um modesto contributo. Os meus conhecimentos em matéria de Design Gráfico são bastante limitados, e sou o primeiro a admiti-lo.

Agradeço desde já todos os contributos (críticas, comentários, sugestões, correcções) que ajudem a melhorar o texto.

Alexandra Alves disse...

Caro Pedro,
é demasiado modesto.
Aqui, temos uma fantástica ferramenta. Parabéns!
Aproveito ainda esta mensagem para o convidar a visitar o blog 'De todos para todos' em http://detodosparatodos2009.blogspot.com/.

Pedro Homem de Gouveia disse...

Olá Alexandra,
Agradeço palavras. Já fui ao vosso blog, achei muito interessante - e para quem nos estiver a ler, recomendo a visita.
Vou inserir no meu blog um link para o vosso. Se puderem retribuir, agradeço.

Elisa disse...

Nossa... achei muito completo.
Com certeza vai aqui para a minha biblioteca pessoal, para consultas futuras. Parabéns!

Vendetta...everything you do in life comes back to you. disse...

Caro Pedro.
Parabéns pelo excelente trabalho.
Pedro Alves (seu ex-formando no tema das acessibilidades)
Grande abraço e continue a apostar forte neste seu útil blog.

Anónimo disse...

Parabéns pela iniciativa de tornar Portugal mais acessível a todos.

Aqui fica um prémio como reconhecimento do valor acrescentado que este blogue representa para o nosso país do "Comprar Local e Nacional... Reinvestir em Portugal".

http://reinvestir-portugal.blogspot.com/2010/11/premio-dardos.html

Miguel Castro Carvalho disse...

boa tarde,

um pormenor: não existe o termo "fonte" em português, mas sim tipo de letra. "fonte" é uma tradução à letra do inglês.
obrigado