quinta-feira, fevereiro 07, 2008

“Cor Contrastante”

As normas técnicas do DL 163/2006 exigem um contraste visual eficaz em vários pontos do percurso acessível.

É necessário assegurar a existência de uma “cor contrastante” nos seguintes elementos:

… Escadarias na via pública (cf. 1.3.1, alínea 1);
… Passadeiras (passagens de peões de superfície, cf. 1.6.5, al. 1);
… Escadas em passagens de peões desniveladas (cf. 1.7.3, al. 4);
… Degraus isolados ou escadas constituídas por menos de três degraus (cf. 2.4.10);
… Revestimento do piso das rampas (cf. 2.5.10);
… Lugares de estacionamento reservados (cf. 2.8.2, al. 6);
… Barreiras de sinalização de obras (cf. 4.14.4);
… Identificação do número do piso (cf. 4.14.6).

Noutro ponto, em que a exigência de contraste não está explícita, podemos considerá-la presente – é o caso das faixas antiderrapantes requeridas junto ao focinho dos degraus (cf. 2.4.3, al. 5), onde se requer uma “sinalização visual”.


Que contraste?

Que tipo e que grau de contraste poderão satisfazer essas exigências?

As normas técnicas portuguesas não o especificam.

Noutros países vigoram normas bastante mais prescritivas – normas que exigem, por exemplo, que as faixas nos degraus sejam contrastantes e amarelas. Era o que fazia, recorde-se, o próprio DL 123/97 (que o DL 163/2006 veio revogar), que exigia faixas amarelas no início e fim de escadas e rampas.

Existe, portanto, um grau importante de liberdade – as normas do DL 163/2006 não “condenam” o projectista a nenhuma paleta de cores especial.

Esta liberdade deve ter como contrapartida uma garantia de eficácia – da conjugação das cores escolhidas deve resultar um contraste que seja perceptível para os utilizadores do espaço e que facilite, nomeadamente, a detecção de limites, desníveis, obstáculos e sinalética, (prevenindo quedas, choques, desorientação, etc.).


Contrastes para quem?

Para que é que as pessoas cegas precisam de contrastes, se não conseguem vê-los?

Na realidade, muitas pessoas classificadas como portadoras de deficiência visual não são cegas, i.e., possuem algum grau de capacidade visual.

Pode dizer-se, aliás, em termos genéricos, que se considera que uma pessoa é portadora de deficiência visual quando os óculos não compensam a perda de visão que tem.


Fig. 1

Algumas pessoas conseguem usar parte do seu campo visual – caso de quem teve cataratas ou tem degeneração da mácula, visão de túnel ou retinopatia, por exemplo.

Fig. 2

Outras usam-no em toda a sua amplitude, mas têm extrema dificuldade em perceber os contornos – caso de quem tem ambliopia, por exemplo.

Outras, ainda, têm algum tipo de deficiência na percepção da cor, i.e., usam todo o campo visual e percebem os contornos, mas não conseguem distinguir as cores. Em toda a população mundial, aproximadamente 5% a 8% dos homens (1 em cada 12) e 0,5% das mulheres (1 em cada 200) nascem com uma deficiência deste tipo (se quiser, saiba mais
aqui).

Fig. 3 – ver os degraus à noite pode ser um desafio…


A utilidade do contraste cromático para as pessoas sem qualquer tipo de deficiência visual é também muito evidente, nomeadamente para quem estiver distraído, ou para quem estiver a percorrer um percurso mal iluminado ou desconhecido.


Eficácia

Como vimos, as normas técnicas do DL 163/2006 não vão além das expressões enunciadas acima: “cor contrastante”, “sinalização visual”.

Não sendo fornecidas especificações mais detalhadas, deve presumir-se que a eficácia é a condição que melhor concretiza o espírito da lei e a exigência das normas.

Esta eficácia não tem de ser, necessariamente, matéria subjectiva.

Se atendermos ao que está objectivamente em causa – obter contrastes entre cores que sejam perceptíveis para pessoas com deficiência visual – verificamos que há estudos científicos que nos fornecem orientações concretas.

Um texto de divulgação científica útil a esse respeito é “Effective Color Contrast – Designing for People with Partial Sight and Color Deficiencies”.

Transcrevo a seguir uma versão desse texto, que traduzi e adaptei (para facilitar a leitura e torná-lo mais claro). A versão original pode ser lida no website da Lighthouse International.

Resulta evidente desta exposição, em síntese, que onde as normas do DL 163/2006 exigem “cor contrastante” ou “sinalização visual”, as cores seleccionadas terão de contrastar entre si ao nível da luminosidade e do tom.

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Contraste cromático eficaz

Projectando para pessoas com visão parcial ou deficiências na percepção da cor

Aries Arditi, PhD*
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Neste texto são explicados os três atributos perceptivos da cor – o tom, a luminosidade e saturação – tal como são usados pelos cientistas da visão. Seguidamente, são indicadas três linhas de orientação básicas para fazer escolhas cromáticas que funcionam para quase todas as pessoas.

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Como é que a visão diminuída afecta a percepção das cores?

Tanto a visão parcial como o envelhecimento e as deficiências congénitas na percepção das cores produzem alterações na percepção que reduzem a eficácia visual de certas combinações cromáticas.

Duas cores que contrastem fortemente para uma pessoa com visão normal podem ser muito menos distinguíveis para uma pessoa com uma deficiência visual. É importante notar que é o contraste de umas cores com as outras que as torna mais ou menos distinguíveis, mais do que as cores individualmente consideradas.

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O tom, a luminosidade e a saturação – os três atributos perceptivos da cor – podem ser visualizados como um sólido.

Fig. 4

O tom varia à volta do sólido, a luminosidade varia entre o topo e a base do sólido, e a saturação é a distância ao centro.

Fig. 5

O tom [n. do t. – do inglês “hue”, na sua tradução directa “coloração”] é o atributo perceptivo associado aos nomes das cores elementares. Permite-nos identificar categorias básicas de cores como azul, verde, amarelo, vermelho e púrpura.

As pessoas com visão normal das cores referem que as cores seguem uma sequência natural baseada na semelhança de umas com as outras. Para a maioria das pessoas com deficiência na percepção da cor, a capacidade de discriminar entre cores com base no tom é reduzida.


Fig. 6


A luminosidade corresponde à quantidade de luz que parece ser reflectida de uma superfície colorida, relativamente às superfícies próximas.

A luminosidade, tal como o tom, é um atributo perceptivo que não pode ser calculado apenas com base em medições físicas. É o mais importante atributo para tornar o contraste mais eficaz.

Com a deficiência na percepção da cor, a capacidade de distinguir as cores com base na luminosidade é reduzida.


Fig. 7


Para uma pessoa com visão parcial e deficiência na percepção da cor, o painel da esquerda pode parecer o que o painel da direita parece para uma pessoa com uma visão normal.

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A deficiência na percepção da cor reduz a capacidade de distinguir cores com base nos três atributos – tom, luminosidade e saturação.

Os projectistas podem ajudar a compensar estes défices fazendo as cores diferir mais dramaticamente nos três atributos.

Eis três regras simples para fazer escolhas cromáticas eficazes:

1. Antes de mais, deve assegurar-se o contraste ao nível da luminosidade, i.e., entre cores claras e cores escuras.


Fig. 8


Exagere a diferença de luminosidade entre a cor em primeiro plano e a cor de fundo, e evite usar cores de luminosidade semelhante ao lado uma da outra, mesmo que sejam diferentes na saturação ou no tom.


Fig. 9


Não parta do princípio que a luminosidade que vê vai ser igual à que outras pessoas com deficiência na percepção das cores verão. Deve, pelo contrário, presumir que, em comparação consigo, elas verão sempre menos contraste entre as cores.

Se no seu projecto tornar mais claras as cores claras e escurecer as cores escuras, vai aumentar a acessibilidade visual.

2. Para efeitos de contraste, há cores que resultam melhor mais claras, e cores que resultam melhor escurecidas.




Fig. 10


Escolha cores escuras com tons da metade inferior deste círculo cromático para contrastar com cores claras da metade superior do círculo.

Evite fazer o contraste com cores da metade inferior tornadas claras com cores da metade superior tornadas escuras. A orientação deste círculo cromático foi escolhida para ilustrar este princípio.


Fig. 11


Para muitas pessoas com visão parcial e/ou deficiências congénitas na percepção das cores, a luminosidade das cores na metade inferior do círculo cromático tende a ser reduzida.

3. Uma vez assegurado o contraste ao nível da luminosidade, vale a pena escolher cores complementares.


Fig. 12


Evite contrastar tons adjacentes do círculo cromático, especialmente se as cores não contrastarem fortemente em luminosidade.

As dificuldades na percepção da cor, associadas à visão parcial e a deficiências congénitas, tornam difícil discriminar entre cores de tom semelhante.


Fig. 13


* Aries Arditi, PhD, é Senior Fellow na Vision Science, Lighthouse International; este texto é baseado no seu trabalho anterior com Kenneth Knoblauch

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Quer experimentar?

Estão disponíveis online dois simuladores de visão que permitem “experimentar” a cegueira a cores e daltonismo – o do “Inclusive Design Tool Kit” (aqui) e o da Vischeck (aqui).

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Créditos das Imagens:

Fig. 1 e 2 – Digitalizadas do livro de BARKER, Peter, BARRICK, Jon, WILSON, Rod (1995): “Building Sight: a handbook of building and interior design solutions to include the needs of visually impaired people”, Royal National Institute for the Blind, Londres.

Fig. 3 – Pedro Homem de Gouveia

Fig. 4 a 13 – Copyright © 2005 Lighthouse International. All rights reserved

Agradecimentos (muitos): Peter Colwell

PHG 7FEV2008

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