Existe alguma norma destinada a proteger os peões que atravessam a rua mais devagar?
Nas passagens de peões com semáforo, sim.
As normas técnicas do DL 163/2006 referem, no seu n.º 1.6.4:
«Caso as passagens de peões estejam dotadas de dispositivos semafóricos de controlo da circulação, devem satisfazer as seguintes condições:
1) (…)
2) O sinal verde de travessia de peões deve estar aberto o tempo suficiente para permitir a travessia, a uma velocidade de 0,4m/s, de toda a largura da via ou até ao separador central, quando ele exista;
3) (…).»
Detalhes importantes
Os “dispositivos semafóricos de controlo da circulação” são vulgarmente designados semáforos.
O espaço de tempo que esta norma define refere-se ao verde puro, i.e., não inclui o tempo de varrimento (tempo durante o qual o sinal está vermelho tanto para veículos como para peões).
A “largura da via” tomada como referência para o cálculo do tempo de verde é a largura da via no local do atravessamento. Se no local da passadeira houver um estreitamento da via (medida de acalmia de tráfego, ver fig. 1), a distância a ter em conta é a distância atravessada pela passadeira, e não a largura da via.
Fig. 1 - Estreitamento da passadeira
Assim, através deste tipo de estreitamento (designado em inglês por bottleneck, curb extension, curb bulb ou choker) é possível reduzir o tempo de verde para peões e, ao mesmo tempo, aumentar a segurança rodoviária (nota: estes estreitamentos devem ser efectuados de acordo com normas próprias).
Uma velocidade de 0,4m/s implica que por cada 40cm de distância que o peão tiver de percorrer sobre a passadeira (i.e., fora do passeio), o semáforo deve dar-lhe 1 segundo de verde.
Note-se que esta norma deve ser cumprida independentemente do tipo de via (principal, distribuidora ou não) ou do volume de tráfego. Essas características podem condicionar outras exigências (sinal sonoro, etc.), mas não esta. Basta haver um semáforo.
Aplicação prática
Se dividirmos a distância total do atravessamento (em metros) por 0,40m, obtemos (em segundos) o tempo de verde para peões.
Para mais facilmente efectuar os cálculos, podemos em alternativa multiplicar a distância total por 2,5 (dá o mesmo resultado).
Para verificar se a norma está a ser cumprida devemos então:
1. Calcular (em metros) a distância vencida pela passadeira (usando uma fita métrica ou caminhando com uma passada larga, de 1m).
2. Dividir essa medida por 0,4 (ou multiplicar por 2,5).
3. O resultado desse cálculo dá-nos (em segundos) o tempo de verde que o semáforo deve dar aos peões.
4. Cronometrar o tempo de verde que o semáforo de facto dá.
5. Comparar com o resultado do cálculo efectuado.
Impacto no tráfego
É frequente encontrar, pelo País, situações de incumprimento desta norma.
Também é frequente ouvir que o cumprimento desta norma prejudicaria a fluidez do tráfego (desconheço qualquer estudo publicado sobre esse impacto).
Como é óbvio, a cidade não pode deixar de pensar na circulação rodoviária. O que também não pode é sujeitar os peões às necessidades dos veículos. Tem de se conseguir um equilíbrio entre ambos. E esta é uma medida de equilíbrio.
O que é um facto, e está profusamente estudado, é que uma parte crescente da população atravessa a rua com uma velocidade reduzida (idosos, por exemplo), e alguns não conseguem, sequer, “alcançar” a velocidade prevista nas normas. Não pode, por isso, falar-se numa exigência “exagerada” que beneficie poucos.
Para cumprir com esta exigência, poder-se-á manter o ciclo (reduzindo o tempo de passagem para os carros) ou aumentá-lo (o que implicará maior tempo de espera para o peão).
Caso se opte pelo aumento do ciclo, deve ser tido o cuidado de não tornar a espera muito longa para os peões, pelo risco que implica de alguns deles tentarem atravessar sem verde.
Responsabilidade civil
É igualmente um facto que esta exigência consta da lei, e assim sendo, o seu incumprimento constituirá uma ilicitude, que expõe as entidades públicas (nomeadamente as autarquias) à responsabilidade civil extracontratual, nos termos do Código Civil:
«Artigo 483.º
Aquele que (…) violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
(…)
Artigo 486.º
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando (…) havia, por força da lei (…) o dever de praticar o acto omitido.»
Neste âmbito, deve ser tido em conta que, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas), o exercício do direito de regresso passou a ser obrigatório.
Por outras palavras, se a entidade pública for condenada a pagar uma indemnização a terceiros devido a falha de um dos seus técnicos ou agentes, nos termos desta Lei ficam os responsáveis dessa entidade obrigados a exercer o direito de regresso, i.e., a exigir desse técnico que pague à entidade um valor equivalente ao que esta despendeu na indemnização.
Em suma, não se deve contemporizar com o incumprimento desta norma: está em causa a segurança física de peões e automobilistas, e a responsabilidade civil de autarquias e respectivos técnicos.
Visualização do tempo disponível
Indicar aos peões e aos automobilistas quanto tempo falta para a mudança de sinal pode ser uma boa ideia.
Fig. 2 – Dublin, Irlanda.
Segundo o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Viseu, onde este equipamento está a ser instalado, “verificamos que, no atravessamento, as pessoas têm outra postura. O peão quando verifica que falta um ou dois segundos para que o verde se extinga e passe a vermelho já não atravessa.”
Por seu turno, "o automobilista engrena a primeira velocidade quando faltam dois segundos para aparecer o verde", podendo até esse momento descansar os pés. "Não há necessidade de fazer arranques bruscos, de ter o pé na embraiagem e o carro numa rotação superior, consumindo mais combustível e produzindo mais CO2 e outros gases nocivos", acrescentou o autarca, frisando que esta demonstrou ser uma solução em que todos ganham.
Nas passagens de peões com semáforo, sim.
As normas técnicas do DL 163/2006 referem, no seu n.º 1.6.4:
«Caso as passagens de peões estejam dotadas de dispositivos semafóricos de controlo da circulação, devem satisfazer as seguintes condições:
1) (…)
2) O sinal verde de travessia de peões deve estar aberto o tempo suficiente para permitir a travessia, a uma velocidade de 0,4m/s, de toda a largura da via ou até ao separador central, quando ele exista;
3) (…).»
Detalhes importantes
Os “dispositivos semafóricos de controlo da circulação” são vulgarmente designados semáforos.
O espaço de tempo que esta norma define refere-se ao verde puro, i.e., não inclui o tempo de varrimento (tempo durante o qual o sinal está vermelho tanto para veículos como para peões).
A “largura da via” tomada como referência para o cálculo do tempo de verde é a largura da via no local do atravessamento. Se no local da passadeira houver um estreitamento da via (medida de acalmia de tráfego, ver fig. 1), a distância a ter em conta é a distância atravessada pela passadeira, e não a largura da via.
Fig. 1 - Estreitamento da passadeira
Assim, através deste tipo de estreitamento (designado em inglês por bottleneck, curb extension, curb bulb ou choker) é possível reduzir o tempo de verde para peões e, ao mesmo tempo, aumentar a segurança rodoviária (nota: estes estreitamentos devem ser efectuados de acordo com normas próprias).
Uma velocidade de 0,4m/s implica que por cada 40cm de distância que o peão tiver de percorrer sobre a passadeira (i.e., fora do passeio), o semáforo deve dar-lhe 1 segundo de verde.
Note-se que esta norma deve ser cumprida independentemente do tipo de via (principal, distribuidora ou não) ou do volume de tráfego. Essas características podem condicionar outras exigências (sinal sonoro, etc.), mas não esta. Basta haver um semáforo.
Aplicação prática
Se dividirmos a distância total do atravessamento (em metros) por 0,40m, obtemos (em segundos) o tempo de verde para peões.
Para mais facilmente efectuar os cálculos, podemos em alternativa multiplicar a distância total por 2,5 (dá o mesmo resultado).
Para verificar se a norma está a ser cumprida devemos então:
1. Calcular (em metros) a distância vencida pela passadeira (usando uma fita métrica ou caminhando com uma passada larga, de 1m).
2. Dividir essa medida por 0,4 (ou multiplicar por 2,5).
3. O resultado desse cálculo dá-nos (em segundos) o tempo de verde que o semáforo deve dar aos peões.
4. Cronometrar o tempo de verde que o semáforo de facto dá.
5. Comparar com o resultado do cálculo efectuado.
Impacto no tráfego
É frequente encontrar, pelo País, situações de incumprimento desta norma.
Também é frequente ouvir que o cumprimento desta norma prejudicaria a fluidez do tráfego (desconheço qualquer estudo publicado sobre esse impacto).
Como é óbvio, a cidade não pode deixar de pensar na circulação rodoviária. O que também não pode é sujeitar os peões às necessidades dos veículos. Tem de se conseguir um equilíbrio entre ambos. E esta é uma medida de equilíbrio.
O que é um facto, e está profusamente estudado, é que uma parte crescente da população atravessa a rua com uma velocidade reduzida (idosos, por exemplo), e alguns não conseguem, sequer, “alcançar” a velocidade prevista nas normas. Não pode, por isso, falar-se numa exigência “exagerada” que beneficie poucos.
Para cumprir com esta exigência, poder-se-á manter o ciclo (reduzindo o tempo de passagem para os carros) ou aumentá-lo (o que implicará maior tempo de espera para o peão).
Caso se opte pelo aumento do ciclo, deve ser tido o cuidado de não tornar a espera muito longa para os peões, pelo risco que implica de alguns deles tentarem atravessar sem verde.
Responsabilidade civil
É igualmente um facto que esta exigência consta da lei, e assim sendo, o seu incumprimento constituirá uma ilicitude, que expõe as entidades públicas (nomeadamente as autarquias) à responsabilidade civil extracontratual, nos termos do Código Civil:
«Artigo 483.º
Aquele que (…) violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
(…)
Artigo 486.º
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando (…) havia, por força da lei (…) o dever de praticar o acto omitido.»
Neste âmbito, deve ser tido em conta que, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas), o exercício do direito de regresso passou a ser obrigatório.
Por outras palavras, se a entidade pública for condenada a pagar uma indemnização a terceiros devido a falha de um dos seus técnicos ou agentes, nos termos desta Lei ficam os responsáveis dessa entidade obrigados a exercer o direito de regresso, i.e., a exigir desse técnico que pague à entidade um valor equivalente ao que esta despendeu na indemnização.
Em suma, não se deve contemporizar com o incumprimento desta norma: está em causa a segurança física de peões e automobilistas, e a responsabilidade civil de autarquias e respectivos técnicos.
Visualização do tempo disponível
Indicar aos peões e aos automobilistas quanto tempo falta para a mudança de sinal pode ser uma boa ideia.
Fig. 2 – Dublin, Irlanda.
Segundo o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Viseu, onde este equipamento está a ser instalado, “verificamos que, no atravessamento, as pessoas têm outra postura. O peão quando verifica que falta um ou dois segundos para que o verde se extinga e passe a vermelho já não atravessa.”
Por seu turno, "o automobilista engrena a primeira velocidade quando faltam dois segundos para aparecer o verde", podendo até esse momento descansar os pés. "Não há necessidade de fazer arranques bruscos, de ter o pé na embraiagem e o carro numa rotação superior, consumindo mais combustível e produzindo mais CO2 e outros gases nocivos", acrescentou o autarca, frisando que esta demonstrou ser uma solução em que todos ganham.
(ver aqui, exemplo de Viseu).
PHG
7DEZ08
Créditos:
Foto no topo: © 2002, Luís Rocha
Fig. 1: “FHWA Course on Bicycle and Pedestrian Transportation”, Federal Highway Administration
Fig. 2: © 2008, Pedro Homem de Gouveia
Notícia Viseu: Jornal Público, citado pelo http://cidadanialx.blogspot.com/
Agradecimentos: M.A.
PHG
7DEZ08
Créditos:
Foto no topo: © 2002, Luís Rocha
Fig. 1: “FHWA Course on Bicycle and Pedestrian Transportation”, Federal Highway Administration
Fig. 2: © 2008, Pedro Homem de Gouveia
Notícia Viseu: Jornal Público, citado pelo http://cidadanialx.blogspot.com/
Agradecimentos: M.A.
3 comentários:
legal o blog. sou estudante de arquitetura brasileira... ainda q as legislações não seja a msma, não deixa de ser interessante e útil. parabéns.
Tenho que discordar com a inexistência de estudos sobre a velocidade de atravessamento, pois existem vários e alguns bastante conclusivos em que nenhuma pessoa atravessou a 0.4m/s mas sim a uma velocidade bastante superior. Além disso Portugal é o único país na Europa que apresenta essa velocidade pois os restantes países têm todos velocidades de Dimensionamento acima dos 1m/s. Eu sei que pode ser uma alteração que os utilizadores acharão errada mas do ponto de vista do dimensionamento é inconcebível que tal velocidade seja realmente aplicada.
Caro João Miguel,
Agradeço o seu comentário.
O que está em causa não é tanto o tempo médio de atravessamento, mas o tempo que é preciso assegurar para excluir o mínimo de peões possível.
Respeitosamente discordo quando diz que ninguém atravessa a 0,4 m/s. Já vi várias pessoas a fazê-lo. E para algumas, nem esse tempo é suficiente.
Os 0,4 m/s não são um valor "científico", passe a expressão, mas sim político, na medida em que resultam de um compromisso do legislador, que pesa as necessidades de fluidez do tráfego automóvel e as necessidades dos peões.
Acrescento, ainda, o seguinte: não me parece que esteja propriamente em causa assegurar esse tempo sempre, por regra, em todos os ciclos, mas sim assegurar que os peões que precisarem de obter esse tempo o obterão, de facto. Há cidades onde o que se faz é permitir ao peão pedir tempo adicional (i.e., esta velocidade), pedido esse que pode ser feito mediante pressão (por exemplo) do botão por um tempo adicional.
Nota final: realizámos recentemente em Lisboa, para o Plano de Acessibilidade Pedonal, uma sessão de auscultação de pessoas idosas, que contou com cerca de 200 participantes, todos autónomos (i.e., chegaram lá pelos seus próprios meios, todos usam a rua diariamente). Mais de 80% disseram que os semáfotos davam pouco tempo.
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