segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Habitação: Portas (3.3.8)

No interior do fogo de habitação, quais as portas que têm de cumprir as normas do DL 163/2006? Todas ou só aquelas que estão integradas no percurso acessível? E o que é que têm de cumprir – as dimensões do vão ou, também, a zona de manobra?


Estamos perante duas perguntas.

A resposta: em construção nova, todos os vãos do fogo de habitação que dêem acesso ao próprio fogo ou aos seus compartimentos, varandas, terraços e arrecadações, têm de cumprir com a Secção 4.9, incluindo zonas de manobra.

Vejamos porquê.


Portas – todas ou algumas?

As normas técnicas do DL 163/2006 referem, na Secção 3.3 (normas a seguir na área privativa do fogo de habitação), ponto 3.3.8:

“Os vãos de entrada/saída do fogo, bem como de acesso a compartimentos, varandas, terraços e arrecadações, devem satisfazer o especificado na secção 4.9.”

Podemos constatar, desde já, que não é feita qualquer distinção entre as portas integradas num percurso e as restantes.

É verdade que no ponto 3.3.7 se faz referência a alguns compartimentos (quarto, cozinha, instalação sanitária), mas essa referência serve apenas os intentos do ponto 3.3.7 (que veremos noutro texto), i.e., em nada condiciona a aplicação do ponto 3.3.8.

De outra forma, nada se exigiria no ponto 3.3.8 relativamente a vãos de acesso a varandas e arrecadações, que não são consideradas no ponto 3.3.7.

Resulta daqui, portanto, que todos os vãos que dêem acesso ao fogo ou a compartimentos na sua área privativa devem satisfazer o especificado na Secção 4.9.


Vão ou porta?

Questão seguinte: esses vãos devem satisfazer todas as disposições da Secção 4.9, ou só algumas?

A dúvida surge porque no ponto 3.3.8 a palavra usada é “vãos” e não “portas”, e na secção 4.9, para onde é feita uma remissão, encontramos nuns pontos “vãos de porta” e, noutros, apenas “porta”.

Podemos, por aí, deduzir que as exigências a cumprir no interior do fogo são apenas as dos pontos onde encontramos a palavra “vão”? Por outras palavras, estamos dispensados de cumprir com os pontos onde encontramos a expressão “porta”?

Os “vãos de porta” vêm referidos nos pontos 4.9.1 a 4.9.3 (largura e altura úteis) e, por remissão, em 4.9.5. O termo “porta” é usado em todos os outros pontos – onde se estipulam, nomeadamente, a zona de manobra da porta (cf. 4.9.6), os ressaltos de piso (cf. 4.9.8), os puxadores e fechaduras (cf. 4.9.9 e 4.9.10), a possibilidade de fixação futura de barra horizontal (cf. 4.9.11), e a força necessária para operar (cf. 4.9.13).

Estará a solução deste dilema na definição dos termos?

O “Vocabulário Técnico e Crítico de Arquitectura” * define “Vão” [do latim vanu] como o “espaço aberto nas paredes para iluminação e arejamento ou para colocação de portas e janelas”.

Atente-se na expressão: “…para colocação de portas”. Problema resolvido? Não necessariamente, porque a mesma publicação define “Porta” como “vão rasgado num muro até ao nível do pavimento para permitir o acesso.”

Esta ambiguidade mantém-se no Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora), que define “Vão” como “espaço vazio entre dois espaços preenchidos” e “Porta” como “abertura rectangular feita numa parede ao nível do pavimento, para permitir a entrada ou saída”.

É verdade que o termo “porta” é muitas vezes usado para designar a parte móvel. Mas, como se sabe, para isso também existe um outro termo, “Folha” (que, a propósito, o “Vocabulário” referido acima define como “cada uma das peças móveis de uma porta ou janela”).


Rigor e bom senso

Sem mais divagações semânticas, e resumindo: para aquilo que aqui nos interessa, ambos os termos designam o mesmo.

E designam o mesmo, especialmente, na forma e no contexto em que são usados no ponto 3.3.8 das normas do DL 163/2006.

Nesse ponto, onde se lê “vãos de entrada/saída do fogo [e de] acesso a compartimentos”, nada permite concluir que o legislador pretendesse referir-se apenas à abertura no plano da parede, com exclusão de todos os elementos que a guarnecem e tornam funcional.

Pode, pelo contrário, encontrar-se uma explicação bem mais simples e lógica: sabendo que o acesso ao fogo (especialmente em edifícios de habitação unifamiliar) e a varandas se pode fazer por meio de vãos de grande dimensão, com elementos deslizantes montados em calhas (serão portas ou janelas?), o legislador utilizou a palavra “vão” por ser a que melhor enquadrava as diferentes possibilidades.

Já nos pontos 4.9.1 a 4.9.3, onde encontramos a expressão “vão de porta”, como designando apenas a largura e a altura úteis (ou livres) de passagem, pode tomar-se – aí sim –o termo “vão” como “vazio”,i.e., por contraponto a outros componentes (folha, guarnição, batente, ombreira, etc.).

Em suma, nada sanciona uma leitura restritiva das exigências definidas no ponto 3.3.8, i.e., não se pode concluir que o uso do termo “vão” dispensa do cumprimento de alguns pontos da Secção 4.9.

Aliás, se pretendesse o inverso, o legislador remeteria apenas para esses pontos, e não para a Secção 4.9 no seu conjunto.


Manobra porta e largura corredor

Havendo que assegurar em todas as portas a existência da zona de manobra estipulada em 4.9.6, nova questão se coloca – no interior do fogo admitem-se corredores com 0,90m de largura útil, mas a zona de manobra da porta terá uma profundidade mínima de 1,10m. É impossível compatibilizar ambas as exigências?

Pelo contrário – a contradição é, apenas, aparente. Basta ler o ponto 3.3.2:

“Os corredores e outros espaços de circulação horizontal das habitações devem ter uma largura não inferior a 1,10m; podem existir troços dos corredores (…) com uma largura não inferior a 0,90m, se tiverem uma extensão não superior a 1,50m e se não derem acesso lateral a portas de compartimentos”.


Nota bibliográfica:

* RODRIGUES, Maria João Madeira, SOUSA, Pedro Fialho de, BONIFÁCIO, Horácio Manuel Pereira (1996): “Vocabulário Técnico e Crítico de Arquitectura”, 2.ª Edição Revista, Quimera Editores.


PHG 9FEV2008

2 comentários:

Maria disse...

Entendida que está a redacção da Lei, fica por perceber que lógica reside por detrás da decisão de obrigar a que um compartimento não acessível (como uma arrecadação ou uma I.S. de serviço) seja servido por uma porta com as características pedidas.
Além disso, a obrigatoriedade da margem de manobra parece querer acabar com as portas que têm o batente embutido na parede, obrigando a que se guarde sempre pelo menos 10cm de cada lado da abertura, o que me parece inutilmente castrador, para o efeito que se pretende.

Alguém me consegue explicar isto, por favor?

RO disse...

Tenho uma questão relativamente ao ponto 4.9.6. De facto quando temos uma porta num corredor com 1.10m conseguimos fazer cumprir o 4.9.6 se a porta estiver na lateral desse corredor e colocarmos a abertura para o interior do outro compartimento. No entanto, esta regra impossibilita ter uma porta no topo de um corredor com esses mesmos 1.10m isto porque tanto de uma lado como do outro da porta são necessárias larguras de 1.15m e 1.20m.
Como resolvemos uma situação deste tipo?
Obrigada pelos seus esclarecimentos que muito úteis têm sido na compreensão do DL.