O percurso entre a entrada no lote e a entrada na moradia tem de ser acessível?
Em princípio, sim.
Antes de mais, para clarificar o que estamos a analisar: trata-se de um percurso situado no interior de um lote que assegura o acesso a um edifício de habitação unifamiliar.
O percurso localiza-se, portanto, no interior de um terreno privado que é utilizado de forma exclusiva pelos moradores. Não se trata, por isso, de via pública (definida pela DGOTDU* como “uma via de comunicação terrestre afectada ao trânsito público”).
Que regras se aplicam, então?
Para responder a esta pergunta será necessário analisar o conceito de percurso acessível definido nas normas e os dois enquadramentos possíveis para considerar este percurso.
Comecemos pelo conceito de percurso acessível.
O que o DL 163/06 pretende assegurar é a existência de um percurso acessível contínuo, sem interrupções, que permita a qualquer pessoa aceder de forma autónoma a todos os espaços destinados ao público (ou pelo menos a um de cada tipo), e a um conjunto mínimo de espaços de uso privado (no caso da habitação).
Este percurso deve ligar (como se de uma instalação eléctrica se tratasse, ou seja, sem cortes) todos esses espaços, atravessando todas as fronteiras que existam entre eles (portas, portões, átrios, corredores, etc.).
A título ilustrativo, vale a pena ler o ponto 1.1.2:
“A rede de percursos pedonais acessíveis deve ser contínua e coerente, abranger toda a área urbanizada e estar articulada com as actividades e funções urbanas realizadas tanto no solo público como no solo privado.”
Em cada parte do meio edificado, as normas do DL 163/06 exigem a existência de “pelo menos um percurso acessível”, seja na via pública (cf. 1.1.5), nos edifícios (cf. 2.1.1) ou, de uma forma ligeiramente diferente, na habitação (cf. 3.3.7).
Duas hipóteses de enquadramento
Aqui chegados, podemos concluir que o espírito das normas aponta no sentido de se assegurar a acessibilidade do percurso que liga a entrada no lote à entrada na moradia.
Já não é óbvia, na minha opinião, a melhor forma de enquadrar esta parte do terreno. Não me parece, contudo, que seja imprescindível resolver essa questão, porque chegaremos à mesma conclusão se explorarmos as consequências de qualquer um dos dois enquadramentos possíveis.
Vejamos.
Se considerarmos o espaço exterior pertencente ao lote como parte integrante do edifício (i.e., uma parte exterior que o constitui, que é, por ex., objecto de arranjos exteriores), então aplica-se o princípio estabelecido no ponto 2.1.1, que refere o seguinte:
“Os edifícios e estabelecimentos devem ser dotados de pelo menos um percurso (…) acessível, que proporcione o acesso (…) entre a via pública, o local de entrada/saída principal e todos os espaços interiores e exteriores que os constituem.”
Se, por outro lado, considerarmos esse espaço exterior (que, não sendo público, está sujeito a um uso condicionado mas essencialmente privado) como integrando a “área privada do fogo” (expressão utilizada no Artigo 23.º do DL 163/06), então teremos de cumprir o ponto 3.3.7, considerando que “a porta de entrada/saída” aí referida é a porta de entrada no lote.
Acesso agora ou no futuro?
A adaptação futura em caso de necessidade é o princípio seguido em relação a outras partes da habitação (instalações sanitárias, por ex.), mas não se aplica a este percurso.
A esse respeito as normas são claras, salvo se houver razão para não as cumprir, por ex., caso haja incompatibilidade com os direitos constituídos pela aprovação de PIP ou loteamento ou caso se trate de uma reconstrução (cf. Art.º 60.º do DL 555/99, na sua versão actual).
Terá de haver rampas, elevadores, plataformas elevatórias? Se não forem encontradas soluções mais discretas, sim.
Este é um exemplo de como a acessibilidade deve ser considerada desde o início do projecto, nomeadamente na fase de implantação.
PHG 20JUL2007
* DGOTDU (2005), “Vocabulário de Termos e Conceitos do Ordenamento do Território”
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4 comentários:
Confesso que não percebi. o jardim de uma moradia é parte "integrante do edifício", mas tb é "área privada do fogo". qual é a diferença que não percebo? se eu tenho um jardim privativo da moradia, que por ele passa o acesso entre a entrada do lote e a entrada na habitação(fogo), deve ou não, sendo privado, ter acesso de deficientes? ou deve antes permitir que no futuro tenha, caso mostre vir a ser necessário?
Caro Paulo,
Compreendo a confusão que isto possa causar.
Esta é uma das situações sobre as quais o DL 163/2006 não se debruça especificamente (i.e., não encontra um n.º que diga "no caso do percurso de acesso à moradia deve assegurar-se...").
Por outro lado, também não podemos dizer que ele é omisso, porque encontramos na normas indicações que nos permitem deduzir algo em relação a este caso concreto.
Temos, então, de analisar o caso nos termos dos conceitos expressos no DL 163/2006.
O que pretendo explicar no texto é que há duas "pontas por onde pegar", e que pegando em qualquer uma delas chegaremos à mesma conclusão, i.e., que é preciso assegurar de raíz a existência de um percurso acessível nesse espaço.
Caro Paulo,
Compreendo a confusão que isto possa causar.
Esta é uma das situações sobre as quais o DL 163/2006 não se debruça especificamente (i.e., não encontra um n.º que diga "no caso do percurso de acesso à moradia deve assegurar-se...").
Por outro lado, também não podemos dizer que ele é omisso, porque encontramos na normas indicações que nos permitem deduzir algo em relação a este caso concreto.
Temos, então, de analisar o caso nos termos dos conceitos expressos no DL 163/2006.
O que pretendo explicar no texto é que há duas "pontas por onde pegar", e que pegando em qualquer uma delas chegaremos à mesma conclusão, i.e., que é preciso assegurar de raíz a existência de um percurso acessível nesse espaço.
tenho um lote, em terreno bastante inclinado, em que a entrada do lote e a entrada da habitação tem um declive de 11,5m.
O acesso principal dentro do lote é efectuado através de escadas (que tem a relação 16/30).
O acesso automóvel é efectuado por um arruamento interno, com algum desenvolvimento (+ ou - 80m), e uma inclinação de 16%. Tem espaço para um "passeio" com 1,2m de largura.
Não tinha alternativa de implantação da habitação.
Posso considerar este o percurso acessível à habitação?
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