Propus esta definição há seis anos, num dos primeiros textos publicados neste Blog (cf. aqui). Ainda a considero actual e adequada.
Define de forma clara um conjunto de ideias que considero a chave para entender a Acessibilidade.
Muitas dessas ideias chave constituem a base do Design Universal, que adiante se apresenta em maior detalhe.
Quem quiser estudar em detalhe a história dos dois conceitos encontrará pontos de encontro e desencontro. Mais do que os pormenores históricos, interessa, aqui, sublinhar uma semelhança, e uma diferença.
Primeiro, a semelhança fundamental.
A Acessibilidade e o Design Universal são dois meios para atingir um mesmo fim: edificações, produtos e serviços bem concebidos.
Segundo, a diferença prática.
A Acessibilidade é um conceito mais antigo, que nasceu ligado à luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Costuma ser traduzido em normas técnicas (por ex., normas W3C para a Internet), que muitas vezes são tornadas obrigatórias por força de lei (cf. normas técnicas do DL 163/2006).
O Design Universal, por seu lado, foi desde o início expresso em princípios. Estes princípios são uma excelente filosofia de projecto, e uma boa matriz de avaliação, mas não têm sido traduzidos em normas técnicas, nem lhes tem sido dada força legal. Provavelmente (esta é a minha opinião) por não ser essa a sua vocação.
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O conceito de Design Universal nasceu “pela mão” de Ron Mace, um arquitecto norte-americano que dedicou boa parte da sua carreira às questões da Acessibilidade, e deixou uma obra muito interessante. Teve polio em criança, e usou cadeira de rodas toda a vida.
Ron Mace (1941-1998)
Tem vindo a suscitar cada vez mais interesse em todo o mundo. Entre arquitectos, designers, paisagistas, engenheiros, informáticos, e não só. Tem sido aplicado (com sucesso) ao projecto de espaços públicos, edifícios, equipamentos, produtos, etc.
Vale muito a pena conhecê-lo.
Aqui publico, por isso, um excerto que traduzi e adaptei a partir da publicação que primeiro o apresentou (eis um link para a edição de 2008).
[Nota: terei todo o gosto em ilustrar o texto com os exemplos que os leitores do Blog quiserem enviar. Imagens (formato JPeg) bem vindas, em acesso.portugal@gmail.com]
Dados da fonte:
Autores: Molly Follette Story, James L. Mueller; Ron Mace.
Título: “The Universal Design File: Designing for People of all Ages and Abilities”
Publicação: 1997, Raleigh (EUA).
Editor: North Carolina State University – The Center for Universal Design.
Tradução: Pedro Homem de Gouveia
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O Design Universal
O Mundo desenhado não se ajusta de forma perfeita a ninguém. Em diversos momentos todos nós experimentamos dificuldades nos espaços em que vivemos e com os produtos que usamos. Os designers estão treinados para projectar para um mítico “Homem Médio” que, na verdade, não existe. Todo o indivíduo é único, e como grupo a espécie humana é bastante diversa.
A Deficiência é uma condição bastante comum e mais frequente do que bastantes pessoas pensam. Muito provavelmente, todos a sentirão durante a vida, mesmo que apenas temporariamente. A Deficiência aumenta com a idade por razões naturais e como resultado de causas externas. Muitas pessoas, especialmente adultos mais velhos, negarão possuí-la devido ao estigma social que lhe está associado. A Deficiência, contudo, é comum e constitui uma parte normal da vida.
É possível conceber um produto ou um ambiente capaz de servir um amplo leque de utilizadores, incluindo crianças, adultos mais velhos e pessoas com deficiência, com tamanho ou forma atípicas, doentes ou feridas ou, simplesmente, colocadas em desvantagem pelas circunstâncias. Esta abordagem é conhecida como Design Universal.
O Design Universal pode ser definido como o design de produtos e de ambientes utilizáveis no maior grau possível por pessoas de todas as idades e capacidades. O Design Universal respeita a diversidade humana e promove a inclusão de todas as pessoas em todas as actividades da vida.
É pouco provável que qualquer produto ou ambiente pudesse alguma vez ser usado por todas as pessoas sob todas as condições. Assim, será mais apropriado considerar o Design Universal um processo, mais do que um resultado.
A preocupação com a usabilidade pode ser a próxima fronteira do Design, uma fronteira que vai distinguir a competição nas próximas décadas. A maior esperança de vida e a maior taxa de sobrevivência de pessoas com ferimentos e doenças graves significa que mais pessoas estão a viver com deficiências hoje do que em qualquer outro período da História, e o número está a aumentar.
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Os 7 Princípios do Design Universal
Uma equipa do Centro para o Design Universal da Universidade Estadual da Carolina do Norte (EUA), como parte do seu projecto “Estudos para Incrementar o Desenvolvimento do Design Universal” conduziu uma série de avaliações de produtos de consumo, espaços arquitectónicos e elementos de construção. O objectivo das avaliações era determinar as características óptimas da performance e dos componentes que fazem os produtos e os ambientes usáveis pela maior diversidade de pessoas.
A equipa do Centro reuniu então um grupo de trabalho composto por arquitectos, designers industriais, engenheiros e investigadores para elaborar um conjunto de princípios que pudesse conter a base de conhecimento existente sobre Design Universal.
Estes princípios aplicam-se a todas as disciplinas de projecto (Arquitectura, Urbanismo e Design) e a todas as pessoas. Podem ser aplicados para avaliar objectos ou ambientes existentes, guiar o processo de design e educar designers e consumidores acerca das características que tornam os objectos e os ambientes mais usáveis.
O desafio inerente à abordagem proposta pelo Design Universal deve ser entendido como uma inspiração para um bom projecto e não como um obstáculo.
[nota: a palavra “design” deve ser entendida, aqui, como exprimindo o espaço, edifício, equipamento ou objecto que foi projectado e produzido]
1. Uso Equitativo
O design é útil e vendável a pessoas com diversas capacidades.
1a. – Proporcionar a mesma forma de utilização a todos os utilizadores: idêntica sempre que possível; equivalente se necessário.
1b. – Evitar segregar ou estigmatizar quaisquer utilizadores.
1c. – Colocar igualmente ao alcance de todos os utilizadores a privacidade, protecção e segurança.
1d. – Tornar o design apelativo a todos os utilizadores.
2. Flexibilidade no Uso
O design acomoda um vasto leque de preferências e capacidades individuais.
2a. – Permitir escolher a forma de utilização.2b. – Acomodar o acesso e o uso com a mão direita ou esquerda.
2c. – Facilitar a exactidão e a precisão do utilizador.
2d. – Garantir adaptabilidade ao ritmo do utilizador.
3. Uso Simples e Intuitivo
O uso do design é fácil de compreender, independentemente da experiência, do conhecimento, das capacidades linguísticas ou do actual nível de concentração do utilizador.
3a. – Eliminar complexidade desnecessária.3b. – Ser coerente com as expectativas e a intuição do utilizador.
3c. – Acomodar um amplo leque de capacidades linguísticas e níveis de instrução.
3d. – Organizar a informação de forma coerente com a sua importância.
3e. – Garantir prontidão e resposta efectivas durante e após a execução de tarefas.
4. Informação Perceptível
O design comunica eficazmente ao utilizador a informação necessária, independentemente das suas capacidades sensoriais ou das condições ambientais.
4a. – Usar diferentes modos (pictórico, verbal, táctil) para apresentar de forma redundante informação essencial.
4b. – Maximizar a “legibilidade” de informação essencial.
4c. – Diferenciar os elementos de forma a torná-los facilmente descritíveis (i.e., fazer com que seja fácil dar instruções ou orientações).
4d. – Assegurar a compatibilidade com uma diversidade de técnicas ou equipamentos utilizados por pessoas com limitações sensoriais.
5. Tolerância ao Erro
O design minimiza riscos e consequências adversas de acções acidentais ou não intencionais.
5a. – Ordenar os elementos de forma a minimizar riscos e erros: os elementos mais usados são mais acessíveis, e os elementos perigosos são eliminados, isolados ou protegidos.
5b. – Garantir o aviso de riscos e erros.
5c. – Proporcionar características de falha segura.
5d. – Desencorajar acção inconsciente em tarefas que requeiram vigilância.
6. Baixo Esforço Físico
O design pode ser usado eficiente e confortavelmente e com um mínimo de fadiga.
6a. – Permitir ao utilizador manter uma posição neutral do corpo.6b. – Usar forças para operar razoáveis.
6c. – Minimizar operações repetitivas.
6d. – Minimizar o esforço físico continuado.
7. Tamanho e Espaço para aproximação e uso
São providenciados um tamanho e um espaço apropriados para aproximação, alcance, manipulação e uso, independentemente do tamanho do corpo, postura ou mobilidade do utilizador.
7a. – Providenciar a qualquer utilizador (sentado ou de pé) uma linha de visão desimpedida para elementos importantes.7b. – Tornar o alcance a todos os componentes confortável para qualquer utilizador sentado ou de pé.
7c. – Acomodar variações no tamanho da mão ou na sua capacidade de agarrar.
7d. – Providenciar espaço adequado para o uso de aparelhos de ajuda ou de assistência pessoal.
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PHG 26.SET.2012